A queda da máscara obrigatória

A queda da máscara obrigatória

O dia 12 de Setembro de 2021 entra na história da Pandemia COVID19 como o dia da Queda da Máscara Obrigatória. A Assembleia da República, ao não renovar uma medida importante para a restrição da propagação da pandemia, é a responsável final de uma medida esperada.

Este novo marco fica associado mais uma vez a uma polémica, não porque a medida não seja adequada, mas pelo timing em que foi aplicada. Uma “não-renovação política” reacende mais uma vez a estéril discussão se a decisão foi científico-técnica ou se foi de índole política. A menos de 2 semanas de mais um ato eleitoral dispensava-se que esta discussão desviasse a Comunicação do que é mais essencial: quais os passos seguintes do combate, que ainda não terminou, à pandemia e aos seus efeitos perniciosos nos portugueses e na sociedade em geral.

Em Março de 2020, a situação era muito diferente. Uma pandemia a instalar-se na sociedade, com dimensão e repercussão ainda desconhecida, com um vírus novo que se revelava diferente dos anteriores, mas semelhante aos nossos maiores receios. Sem conhecimento, sem tratamento e sem lucidez esclarecida, iniciámos um combate para o qual tudo faltava: preparação, ventiladores, calma e bom senso. Dois meses antes, a epidemia na China estava longe, mas as imagens e informações que, 15 dias antes, nos chegavam de Itália e Espanha, países latinos com características culturais semelhantes às nossas precipitaram ações e afirmações, muitas vezes, extremas e antagónicas. Eram tidas como normais nessa altura.

No respeitante especificamente ao uso de máscara neste combate, devemos lembrar a polémica inicial: não seria importante e foi desvalorizada pelas entidades oficiais, a quem competia o combate à epidemia. A carência de máscaras e equipamentos de proteção foi secundarizada em relação aos ventiladores. Tal motivou por parte dos meios cientificamente esclarecidos movimentos de pressão, mais ou menos organizados, para que o seu uso fosse recomendado/exigido à mais larga escala, em conjunto com as outras medidas gerais que todos hoje conhecemos – higienização das mãos e distanciamento social. Os movimentos, em que a Ordem dos Médicos precocemente foi parceira (“Mascaras para Todos – a tua máscara protege-me e a minha protege-te” ou a campanha “Todos por Quem Cuida”), tornaram claro e inexorável o uso correto da máscara facial. Foi essencial, a par das medidas de confinamento, no controlo da pandemia nos seus diferentes e exacerbados momentos.

Ano e meio depois muito se alterou. Há mais conhecimento, mais equipamento, mais preparação e essencialmente passou a existir vacinação. Todos estes fatores permitem estarmos numa fase em que, mesmo com um número elevado de novos casos de infeção, as repercussões na saúde individual, nas instituições de saúde e na sociedade em geral, sejam muito menores e passíveis de intervenção. 

Deixar de ter “máscaras no exterior obrigatórias” é, no entanto, um risco, se não for acompanhado de ciência, decisão e comunicação. Precisamos de dados cientificamente tratados que respondam a perguntas que que fundamentem uma nova estratégia. Quantos doentes infetados com vacinação ou sem vacinação completa? Qual a transmissibilidade do vírus entre vacinados? Qual o impacto da máscara na população vacinada e em que contexto (sem vacinas já sabemos)? Estas e outras questões, baseadas nos dados dos portugueses, devem ter uma análise científica célere.

Só essa informação da nossa realidade, cientificamente tratada, permitirá uma tomada de decisões sensatas, proporcionadas e adequadas à realidade nacional. Extrapolar a realidade americana, brasileira, inglesa ou mesmo espanhola, com taxas de vacinação, sistemas de saúde e doenças diferentes é uma atitude simplista e pode não resolver os nossos problemas.

E com Ciência, e a correta tomada de decisão em TODOS os níveis, é necessária uma estratégia de informação e comunicação que, efetivamente, potencie comportamentos individuais responsáveis, esclarecidos e adequados.

Tal transparece da diretora geral da Saúde, que alerta que devem ser tidas em conta as situações em que importa manter o uso de máscara. Concordo que a responsabilidade individual que nos leva a ter e usar regularmente mascara em situações de maior risco, é a alternativa complementar que deve ser implementada. Mas não seria essencial que, a informação sobre quais as situações de risco, a sensibilização e compreensão por parte de cada cidadão da necessidade desse comportamento criadas por campanhas de informação/comunicação bem planeadas, fosse implementada ANTES desta liberalização?

Afirmar ou protelar para mais tarde estas campanhas, ou realizá-las sem o devido cuidado científico e adequação técnica, com tem sido hábito, é um risco que devia ser acautelado.

Desde há mais de 15 anos que vemos, nos países asiáticos, muitos cidadãos a circular com mascara, ou a colocar quando entram nos transportes públicos. Na altura comentávamos, com um sorriso ignorante, este comportamento social que não era suportado por nenhuma lei, mas sim por uma cultura esclarecida com conceitos sociais éticos elevados. Está na altura de fazermos o mesmo. Nesta fase, mais do que “desproíbir”, é essencial que os nossos líderes, sociais, políticos e científicos possam contribuir para essa consciência coletiva. Só assim podemos chegar mais depressa à normalidade e, fundamentalmente, estarmos preparados paras as próximas pandemias...

 

Alexandre Valentim Lourenço

Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

 

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14 de setembro de 2021

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