Entrevista a Miguel Xavier

Entrevista a Miguel Xavier

Autonomia é crucial para implementar medidas do Plano

 

Miguel Xavier, psiquiatra no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental e professor universitário na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, é desde março deste ano o diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental. Tem, nessas funções, o propósito de, passo a passo, ir lidando com os obstáculos que desde 2007 têm impedido avanços importantes no Plano. Reconhece o apoio do Governo, mas assinala que para aplicar várias das medidas será necessária maior autonomia administrativa e financeira.

 

Escreveu recentemente que tem havido muitos avanços e recuos na política para a área da Saúde Mental. Quais têm sido os mais relevantes?

Em 1998 saiu a Lei da Saúde Mental e logo a seguir o Decreto-Lei 35/99, ficando legisladas quer as dimensões do internamento compulsivo, quer os princípios de organização geral dos serviços de saúde mental. A parte do internamento compulsivo encontra-se hoje em dia bem implementada, mas do ponto de vista da organização dos serviços houve partes que não avançaram, designadamente em duas grandes áreas: o desenvolvimento de equipas na comunidade, que ainda hoje, passados 20 anos, está longe de se concluir; e a organização dos serviços em centros de responsabilidade integrada.

Um dos problemas que já se detetava nessa altura e que não mudou muito até hoje prende-se com a autonomia dos serviços de Saúde Mental, que é limitadíssima do ponto de vista financeiro e da gestão dos recursos humanos.

 

Mas ao longo destes anos todos nada se fez quanto a isso?

Em 2006, o ministro da Saúde, na altura o Prof. Correia de Campos, chamou um grupo de pessoas coordenadas pelo Prof. Caldas de Almeida – faziam também parte o Dr. António Leuschner, a Dra. Isabel Paixão, o Dr. João Sennfelt, para além de nós próprios – para constituir uma comissão de avaliação do estado da saúde mental, com a finalidade de apresentar um conjunto de propostas de reorganização global. É aí que surge o então designado Plano Nacional de Saúde Mental (PNSM), que seria válido para o período de 2007 a 2016. Julgamos que foi um plano bem feito e que continua perfeitamente atual. É dos planos mais avaliados na área da Saúde em Portugal, quer por entidades internas como externas, nacionais e estrangeiras.

 

Mas escreveu também que a avaliação desse plano revelou desde muito cedo dificuldades de implementação…

O que é interessante verificar é que nas várias avaliações feitas ao longo dos anos se foram começando a identificar um conjunto de obstáculos que eram sempre os mesmos, aliás muito bem sintetizados numa avaliação da Organização Mundial de Saúde, e que no fundo se têm mantido nas duas últimas décadas.

 

Mas quais eram esses obstáculos que foram identificados várias vezes?

Desde logo, as reformas de saúde mental necessitam invariavelmente de uma equipa com autonomia, capaz de abranger toda a saúde mental, desde a área de adultos à infantil, à psiquiatria forense, a ligação aos cuidados de saúde primários, à promoção e prevenção, à articulação interministerial, etc. Por vicissitudes várias, nunca foi possível constituir-se uma equipa com autonomia suficiente e poder de implementação, ao contrário do que ocorreu nos países que fizeram processos análogos.  Ainda assim, enquanto houve uma Coordenação Nacional para a Saúde Mental com alguma autonomia, conseguiram-se fazer várias coisas interessantes...

 

Então quando é que deixou de ser possível?

Houve uma grande inflexão quando entrámos no regime de apoio financeiro externo. A Coordenação Nacional para a Saúde Mental foi extinta e ficou integrada num programa prioritário na Direção-Geral da Saúde - não tendo quaisquer poderes atribuídos sobre a área dos serviços hospitalares, ficou assim basicamente sem capacidade de implementação das medidas.

A verdade é que o tempo foi passando, mas as grandes linhas defendidas em toda a Europa, e que Portugal assinou em diversos convénios internacionais, tais como o desenvolvimento de serviços na comunidade e a constituição de equipas com uma estrutura verdadeiramente multidisciplinar – não só com médicos e enfermeiros, mas com psicólogos, enfermeiros especialistas, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais em números adequados às necessidades – ficaram muito aquém do pretendido. Foram tempos complexos, em que o papel de grande empenho e resiliência do Dr. Álvaro de Carvalho merece sem dúvida um destaque muito significativo.

 

 

Mas há agora uma nova realidade. Que se fez?

Chegamos então a 2017, altura em que saímos do plano de assistência financeira. Aí, o Governo, e na nossa opinião bem, repetiu o que tinha sido feito em 2007. A pretexto dos dez anos do Plano Nacional para a Saúde Mental, foi pedida à Comissão Técnica de Acompanhamento da Reforma da Saúde Mental (coordenada pelo Dr. António Leuschner) uma avaliação retrospetiva sobre a implementação do PNSM, tendo sido produzido um documento que tentou sintetizar numa primeira parte os avanços ocorridos e os obstáculos encontrados, para numa segunda parte elencar um conjunto de propostas de extensão do plano para o futuro. Foi isso que se fez no ano passado.

 

O Plano agora vai até 2020…

Sim, o que está priorizado são medidas que deverão ser postas no terreno até 2020, mas que em boa verdade não será possível finalizar nessa data. O Plano Nacional para a Saúde Mental esteve praticamente interrompido durante 6 anos, não se pode esperar que se recupere tudo em metade do tempo.

Na avaliação de 2017, verificámos que se conseguiu diminuir bastante o número de camas em hospitais psiquiátricos públicos (mas não na rede convencionada), que se aumentou muito a produção de consultas externas e sessões de hospital de dia, quer em adultos quer em crianças.

Fizemos uma coisa interessante, repetindo uma iniciativa de dez anos atrás, lançando um questionário aos diretores de serviço sobre os problemas e obstáculos que eles sentiam no desenvolvimento dos seus serviços. O curioso é que os obstáculos apontados agora em 2017 eram exatamente os mesmos que já tinham sido assinalados em 2007, o que significa que do ponto de vista do modelo de governance nada mudou em dez anos. E este é o segundo problema: para além de uma coordenação com escassa capacidade real de implementar as medidas, temos tido um problema com o modelo de governance dos serviços locais de saúde mental.

Mas há ainda um terceiro obstáculo: se juntarmos as duas coisas, verifica-se que passados dez anos de Plano Nacional de Saúde Mental continua a persistir em Portugal uma assimetria marcada entre os três grandes centros urbanos e as regiões mais periféricas. As pessoas que estão nos centros urbanos têm um acesso diferente do que as que estão em muitos locais na periferia, apesar de experiências de enorme qualidade que existem em vários serviços de Norte a Sul.  Isto não se muda de um dia para o outro, vai ter de se persistir nesta tónica durante o tempo necessário.

 

E o que foi então proposto?

Desde logo, concluiu-se que não era necessário fazer um novo plano de saúde mental para o país, porque o que existe é bom: tem é de se começar a contornar progressiva mas firmemente os obstáculos à sua implementação. Foram feitas dez propostas que têm como objetivo tentar lidar e ultrapassar os obstáculos a que já fizemos referência.

Apresentámos o documento à tutela, que o subscreveu, e foi nessa sequência temporal que surgiu o convite para dirigir o Programa de Saúde Mental na DGS.

 

Alguma destas dificuldades que já enumerou foi sentida nestes primeiros cinco meses do seu trabalho?

Houve várias coisas que tentámos começar a fazer logo desde o início do mandato. As reformas na Saúde Mental são processos muito complexos e prolongados, que por isso mesmo não se podem basear nem estar dependentes de pessoas providenciais. Isto exige que todos os agentes que estão envolvidos sejam ouvidos e, por isso, passámos as primeiras semanas a receber pessoas e a falar com elas, desde as instituições prestadoras às IPSS, passando pelas várias ordens profissionais.

Mas a questão mais evidente prende-se com a implementação das medidas do PNSM. Do ponto de vista jurídico, o Programa de Saúde Mental tem atribuições normativas, mas nenhuma interferência com os aspetos da gestão dos serviços locais de saúde mental, os quais dependem apenas das ARS. Temos vindo a trabalhar diretamente com os coordenadores regionais de Saúde Mental das ARS, vão ser reativados os conselhos regionais do Alentejo e do Algarve, mas pensamos que vai ser necessário ir substancialmente mais longe nesta articulação com as ARS. 

 

E o que tem sentido da parte do poder político?

A Direção Geral de Saúde tem sido inexcedível no apoio que tem dado ao Programa desde o primeiro momento, a todos os níveis. Simultaneamente, temos sentido um grande apoio na articulação que temos mantido com o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, assim como com todos os elementos do seu gabinete.

Esperamos que o próximo ano comece a trazer uma mudança estrutural – uma coisa é uma atuação conjuntural, outra bem diferente é mudar estruturalmente –, que permita passar do normativo ao terreno, sob risco de continuarmos a ter ótimos planos, mas por implementar. Em síntese, pensamos que a breve trecho terão de se ponderar decisões concretas quanto a uma mudança do modelo de governance, que permitam uma articulação orgânica entre o Programa Nacional, as ARS e os serviços locais de saúde mental, reforçando simultaneamente a ligação a outros players, nomeadamente as associações de utentes e familiares.

 

Mas temos também um problema nessa relação?

Nos últimos anos uma parte importante das políticas de Saúde Mental na Europa tem sido muito influenciada pelas associações de utentes e familiares. Fazem uma pressão muito grande nos órgãos públicos, têm uma agenda muito bem gizada, e assumem um relevante efeito de locomotiva para a mudança, nomeadamente na área dos direitos humanos. Se formos analisar os documentos produzidos na última década pelas mais importantes organizações internacionais, como a OMS, todos preconizam o envolvimento direto dos cuidadores informais na definição das políticas de Saúde Mental. Ora em Portugal estamos ainda muito atrás de outros países europeus neste envolvimento. Este é outro dos vetores do Programa, e nesse sentido temos trabalhado muito com as associações. O próprio Programa tem uma entidade designada como CCPUC, que agrega as associações de utentes e familiares e cuidadores informais, com os quais trabalha de forma estreita.

Embora o sector público deva ser o elemento fundamental das respostas em saúde mental, as entidades do sector social e convencionado, tal como as associações de famílias e utentes, são parte integrante do sistema de prestação de cuidados, e como tal têm de ser vistos como parceiros em todo este processo.

 

Essa é uma das mudanças que considera essenciais…

É um dos pilares. Outro é uma maior ligação aos outros ministérios. Veja-se o exemplo da Justiça. Em 2007 tínhamos elencado várias propostas para a interface entre a Saúde e a Justiça que deveriam ser mudadas. À exceção da construção de um serviço de Psiquiatria Forense no hospital Júlio de Matos, nada mais se avançou.

Neste momento a situação é completamente diferente, em poucos meses mudou-se significativamente este panorama: aproveitando a participação do Programa na regulamentação legislativa do funcionamento das unidades forenses que estão fora do Ministério da Justiça, ou seja, das que estão no Ministério da Saúde, começou a repensar-se uma modificação da organização estrutural da Psiquiatria Forense no nosso país, a qual está já bem encaminhada, e que em breve será discutida com as parte interessadas. Este tipo de ação pode ser usado também para o que está relacionado com Ministério da Educação ou com o do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

No fundo, em vez de medidas avulso, estamos a tentar garantir os pilares que permitam pela primeira vez a implementação numa base mais sólida e sustentável das diversas mediadas que constam do PNSM.

 

O diretor do Programa tem uma avaliação de como está a saúde mental dos portugueses genericamente?

É uma pergunta interessante, e ainda mais se virmos os resultados dos estudos que se têm feito. Relativamente à morbilidade psiquiátrica, se analisarmos os dados desde os anos 70, quando apareceram os primeiros estudos de morbilidade em cuidados de saúde primários em Portugal, verificamos que temos uma tendência mantida no sentido de uma maior prevalência de ansiedade e depressão. As taxas no nosso país são habitualmente mais altas que a média dos países europeus congéneres, o que aliás foi mais uma vez evidenciado no 1ª Estudo de Morbilidade Psiquiátrico Nacional, efetuado com uma amostra representativa. Concomitantemente, nos estudos internacionais comparativos sobre bem-estar psicológico e perceção de qualidade de vida, o nosso país costuma aparecer em posições muito pouco satisfatórias.

Hoje é consensual que a saúde mental é o resultado de um conjunto de determinantes, de natureza genética, social, familiar, sistémica, entre outros. Alguns destes determinantes têm tido um impacto negativo em Portugal, como aconteceu recentemente durante o período de ajustamento económico, havendo já estudos que o evidenciam.

Avaliar o estado de saúde de uma população implica aferir o balanço existente as necessidades das pessoas, por um lado, e aquilo que o sistema lhes oferece em termos de prestação de cuidados. É interessante constatar que, em termos de indicadores de produção hospitalar, o número de atos quase duplicou nos últimos 10 anos, sem que o número de profissionais tivesse tido um aumento dessa magnitude...

 

E duplicou porque o acesso aumentou?

Sim. Entre outros fatores, porque o acesso aumentou. Os profissionais aumentaram significativamente a sua atividade, o número de sessões de hospital de dia, de visitas domiciliárias, consultas… duplicou tudo.

No entanto, o acesso é diferente consoante a disponibilidade de recursos humanos. Não é igual num grande centro ou numa região do Alentejo ou do Algarve, sendo esse um problema que se mantém desde há demasiado tempo, nomeadamente na área da psiquiatria da infância e adolescência.

 

O que falta no momento atual?

Temos de procurar desenvolver diversas áreas, e parece-nos claro que o Programa de Saúde Mental tem de estar envolvido no processo de alocação de recursos humanos. Primeiro, temos de promover uma maior integração da saúde mental nos Cuidados de Saúde Primários. As pessoas com sintomas do espectro ansioso e depressivo procuram habitualmente ajuda nos centros de saúde, pelo que a esse nível tem de haver um mecanismo que permita lidar com grande parte destas situações, que maioritariamente não têm indicação para recorrer aos serviços locais de saúde mental.

Há vários modelos testados, com boa evidência de efetividade clínica, e que nos podem ser úteis, permitindo diminuir a longo prazo o consumo de benzodiazepinas e antidepressivos, que é um dos mais altos da Europa. Para isso, vai ser necessário mudar progressivamente o tipo de oferta nos centros de saúde, onde apesar da excelência dos profissionais que lá trabalham, falta um contingente crucial para lidar com as perturbações de ansiedade e depressão – psicólogos com formação psicoterapêutica. Recentemente foi contratada aproximadamente quatro dezenas, mas se queremos montar um sistema de tratamento por etapas vai ser necessário aumentar este número. No entanto, não basta aumentar os efetivos, se eles trabalharem isoladamente: é necessário criar os trajetos de cuidados dos doentes nos CSP, o que implica que os diferentes profissionais têm de trabalhar articulados, com uma atividade centrada no percurso do doente. Isto demora bastante tempo porque implica contratação de recursos humanos, mas se não se começar dificilmente poderemos melhorar a resposta nos centros de saúde. Aliás, não se pense que este é um assunto simples: apesar de já constar do plano de 2007, a verdade é que à exceção de poucos serviços, esta integração não é ainda a regra, estamos longe disso.

Uma outra área que tem de se continuar a desenvolver é a dos Cuidados Continuados. Esperamos que a avaliação das experiências-piloto atualmente em curso permita detetar o que está a correr menos bem, e definir medidas de melhoria do sistema.

Uma terceira área que carece de um apoio prioritário é a da infância e adolescência, cuja rede de cuidados não é ainda suficiente para dar resposta às necessidades da população mais jovem, nomeadamente no Alentejo e Algarve.

Finalmente, na área das perturbações mentais graves, é necessário diferenciar a prestação de cuidados, que hoje em dia vão muito para além dos modelos tradicionais centrados na medicação. Existe hoje uma sólida evidência científica sobre a efetividade dos modelos integrados, já há muito utilizados em outros países ocidentais, em que se incluem a gestão de casos com terapeuta de referência, o tratamento assertivo na comunidade, o emprego apoiado, as intervenções psicoeducativas, os vários tipos de reabilitação, etc. A implementação deste paradigma não tem sido fácil: sem autonomia os serviços não têm podido constituir equipas comunitárias, e sem recursos com formação específica acaba por não ser viável aplicar várias destas abordagens.

 

Essa patologia mais grave tem aumentado?

Não é provável, apesar de não o podermos afirmar categoricamente com base em estudos efetuados no nosso país. De um modo geral, as taxas epidemiológicas das perturbações mais graves são relativamente estáveis, e semelhantes mesmo entre realidades socioculturais distintas. O que nos falta ainda é uma maior sofisticação de abordagem de tratamento, através de programas integrados. Trata-se de deteção precoce, intervenção precoce, reabilitação. Precisamos de nos diferenciar mais nesta área, mas de modo a que esta diferenciação não se restrinja aos grandes centros. Pensar que a resposta aos problemas de saúde mental mais complexos se alcança através da hipertrofia de um número reduzido de centros é um erro que se deve evitar a todo o custo. A gestão das doenças crónicas necessita de duas dimensões fundamentais, integração e proximidade, e a psiquiatria não é uma exceção a isto, antes pelo contrário.

 

Sente-se que essas famílias onde há pessoas de patologia pesada estão quase isoladas, não acha?

Existe um sério problema de estigma em relação à doença mental no nosso país. Talvez já tenha sido mais intenso, mas continua a manifestar-se. As campanhas anti estigma são necessárias, mas não suficientes. De facto, o estigma combate-se também de outras maneiras: em primeiro lugar, aumentando a visibilidade social, por exemplo através de pessoas que abordem publicamente a sua experiência; em segundo, desenvolvendo uma razoável literacia de saúde mental desde os bancos da escola, colocando os jovens em contacto com estes problemas; em terceiro lugar, desenvolvendo bons serviços de psiquiatria próximos das pessoas, integrados tanto em CSP como em hospitais gerais. O desenvolvimento de boas equipas na comunidade, a trabalhar com os médicos de família e perto das pessoas, é uma das vias mais promissoras para diminuir o estigma.

 

Mudando de assunto para uma outra dimensão da sua atividade. Como professor e presidente do Conselho Científico da FCML, que acha dos médicos que se estão a formar hoje?

Só posso falar pela realidade da Faculdade de Ciências Médicas.  A formação continua a ser sólida, com os alunos a beneficiarem de uma rede muito extensa de hospitais e centros de saúde afiliados, o que lhe disponibiliza uma gama de experiências muito rica. Para isto concorre também o facto de se ter conseguido até à data manter um ratio alunos/docente excelente, um dos melhores a nível nacional.

Esta Faculdade tem também uma tradição firmada de bom ambiente académico, nomeadamente na relação entre docentes e alunos

O aspeto menos positivo é claramente o número demasiado elevado de alunos, mesmo do ponto de vista das instalações é difícil estar dimensionado para ter tantos alunos…

 

E na generalidade, que problemas assinala na formação médica pré-graduada?

Há vários problemas específicos, mas o maior desafio é de índole filosófica. A velocidade a que as mudanças sociais se estão a dar, a importância do digital nos modelos assistenciais, o crescimento exponencial das tecnologias… a aceleração é tão grande que é muito difícil afirmar com segurança que a formação que estamos a dar atualmente aos nossos alunos os vai habilitar para aquilo que será a prática da Medicina daqui a uma ou duas décadas. Em boa verdade, é uma incógnita.

 

Os médicos que acabam hoje de se formar já são muito diferentes dos de há vinte anos?

Em alguns aspetos são. E a questão tecnológica tem muito a ver com isso, para o bem e para o mal. À medida que os processos sociais se vão acelerando e a tecnologia vai invadindo a nossa vida, tem de haver uma preocupação cada vez maior com a questão da relação, e não apenas na medicina.

É interessante ver o número crescente de artigos que estão a sair nos Estados Unidos sobre a importância da relação médico-doente. Não haja ilusões quanto a isto: as tecnologias de modo algum vão conseguir responder, por si só, às necessidades dos doentes e das suas famílias, porque não permitem aquilo que define a essência última da prática médica: o acesso às vivências individuais.

De facto, o grande desafio prende-se com o modo como vamos balancear esta aceleração maciça da tecnologia, com a necessidade de preservar a relação com os doentes. A decisão médica, que é um misto de experiência e de conhecimento científico, está a mudar radicalmente, e cada vez mais começará a ser dada pelo resultado da aplicação de algoritmos, construídos a partir de grandes bases de dados. E até que ponto os modelos preditivos se poderão aplicar no individual? E onde fica o acesso às vivências?

Há questões, como estas, que vão necessitar de respostas muito mais cedo do que supomos.



7 de novembro de 2018

Categorias

Categorias

Arquivo de Notícias

Arquivo