Por que saem os médicos do SNS?

Por que saem os médicos do SNS?

Esta é uma pergunta cada vez mais repetida e cuja resposta parece ninguém querer dar.

O SNS é inequivocamente uma mais-valia para a saúde dos portugueses.

Democratizou o acesso e permitiu que os portugueses tivessem o que de melhor se faz em Medicina. Tem sido o grande responsável por dar saúde a quem não a tinha. Construiu centros de saúde onde não existiam. Construiu hospitais modernos. Desenvolveu a Saúde Pública.

A Lei 56/79 cria o SNS em 1979. Significa isto que todos os que têm menos de 40 anos sempre viveram numa vida de plenos direitos em saúde. E todos eles, não têm memória de outra vida. Hoje, o acesso à saúde é uma realidade para todos os portugueses. E hoje, depender do SNS já não é uma dependência para muitos. Os setores privado e convencionado desenvolveram-se e é hoje uma realidade que muitos não querem ver e ter em conta nas decisões da coisa pública.

O problema não é o SNS. O problema são os Governos que o gerem e os Ministérios da Saúde e das Finanças que o sufocam.

E por que saem os médicos do SNS?

Porque têm uma alternativa que antes não tinham. Há 20 ou 30 anos os médicos trabalhavam no público de manhã e no privado à tarde. O sistema estava assim equilibrado e assim viveu durante décadas. Há cerca de dez anos o sistema privado disparou o seu crescimento. E para isso necessitavam de médicos. Onde os ir buscar? Ao setor público. O setor público passou a exigir mais tempo dos médicos e o mesmo fez o privado. As regras do jogo mudaram.

E que fizeram as unidades do setor privado para serem atrativas? Dão regalias e aumentaram ordenados. Dão formação. Criaram centros de simulação. Fazem contratos flexíveis, com incentivos. Ganharam diferenciação. Passaram a dispor de internatos. Lentamente, mas cada vez em maior número. O primeiro curso privado de Medicina foi aprovado. Ganharam dimensão e mercado.

E o Estado que fez aos seus profissionais?  Retirou-lhes regalias e baixou ordenados. Suspendeu progressões nas carreiras. Atrasou concursos. Limitou a formação. Limitou a formação que dá e o acesso à mesma. Tornou a contratação num périplo impossível. Prometeu fazer contratos e a única coisa que verdadeiramente deu foi contratos por fazer.

Enquanto o setor privado procurava os melhores, numa verdadeira ação de caça-cérebros e lhes dava contratos imediatos, o setor público oferecia promessas e nenhum contrato. Os melhores terminam os seus internatos de especialidade e esperam meses por um contrato, que o Estado tarda em dar. Esperam, desesperam e nada é concretizado. O privado contrata.

Mas não são só mais novos a mudarem para o privado. Muitos outros, mais diferenciados e altamente especializados, líderes de serviços, também fazem a sua opção e mudam para o privado. Porque lhes dão condições de trabalho. Porque os deixam serem médicos e lhes retiram carga administrativa. Porque os contratam para fazer o que sabem fazer e não só para ocupar um lugar ou gastar horas a fazer trabalho administrativo. Porque lhes pagam melhor. O setor privado não é totalmente inocente na ação, mas trouxe dinâmica ao setor.

E como se tudo isto não chegasse, o publico ainda obriga os médicos a ficar em nome de uma obrigação e da necessidade de demonstrar gratidão pela formação dada.

Pois que estão muito enganados. Ministros da Saúde e das Finanças.

Há que perceber que o mundo mudou e passou a haver uma competição entre setor público e privado. Uma competição positiva entre quem tem os melhores médicos e os melhores profissionais de saúde. O que é claramente uma opção positiva. Público e privado querem dar os melhores cuidados de saúde aos seus doentes. O verdadeiro imperativo do Sistema de Saúde.

O SNS é uma conquista de anos. Mas não chega apregoar que o defendemos e aclamá-lo como o prestador único.

Para todos os que acreditam no SNS, há que mudar de rumo. Criar um SNS atrativo, moderno, gerador de condições de trabalho, adaptado às exigências dos dias de hoje. Dando condições dignas para quem lá trabalhar. Pagar a diferenciação e antiguidade. Dando condições para a realização de projetos. E estimulando e reconhecendo a diferenciação.

E percebendo que um sistema de saúde verdadeiramente moderno é o que seja capaz de criar condições de circulação, sem qualquer estigma, entre setor público e privado. Um setor público atrativo e não limitativo e bafiento. Se não o fizermos podemos ter a certeza que o SNS não sobreviverá e os portugueses irão claramente perder.

Senão, os médicos continuarão a sair do SNS…

 

Jorge Penedo

Cirurgião

Vice-Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

10 de junho de 2021

Categorias

Categorias

Arquivo de Notícias

Arquivo