Especialidade Médica no estrangeiro
  
 Intolerância ao “mesmismo” e espírito aventureiro. Dois motivos que levam cada vez mais médicos a partir para outra.  
  
 O médico português é reconhecido internacionalmente como um bicho altamente adaptável, poliglota e responsável. Não é portanto de estranhar que seja constantemente aliciado a emigrar.
  
 O que o leva um médico a pegar na tralha e ir embora?
 Ignoro, conscientemente, os pedidos diários de hospitais franceses que querem médicos portugueses – dizem-me eles – só portugueses! Impossível é não reparar na quantidade de colegas que todos os dias me perguntam como fazer para ir embora.
 Face à pergunta, “O que te levou a sair?” respondo invariavelmente, “o acaso”. Preliminares como fazer Erasmus, intercâmbios da IFMSA e estágios no estrangeiro piscam-nos o olho bem antes de chegar ao final do curso.
 Depois, uma insatisfação crescente, o risco de fossilizar e sentir-se constantemente punido por um sistema arcaico fazem o resto. Um exame de acesso à especialidade hediondo, internos que ficam absurdamente indiferenciados, um ano comum que prolonga o caminho… A lista é longa.
 Para os sortudos que entram numa especialidade pouco melhora. Opacidade, falta de reconhecimento, impossibilidade de tirar um ano sabático ou poder dedicar-se a projectos paralelos, férias reduzidas ao mínimo sindical e salários pouco interessantes. O sistema é pouco permissivo e detesta ser questionado.
 Felizmente – dependendo da perspectiva – temos médicos com garra, sangue na guelra e pouco medo de sair.
  
 Como escolher o local onde se quer fazer a especialidade, em menos de 5 minutos
 O desafio, ao contrário do que se pensa, nem é ir.  É escolher para onde. Basta jogar ao “Preferes” – disse-me um colega com pragmatismo. Com meia dúzia de questões, facilmente se chega a um destino. Por exemplo: para a entrada na especialidade preferes fazer um exame ou procurar directamente o hospital e a especialidade? Preferes falar em inglês ou outra língua? Preferes uma especialidade longa e um doutoramento à mistura, ou uma mais curta mas que te permita fazer um sabático?
  
  
  
   |   | Alemanha | França | Reino Unido | Suíça | 
  | Duração (anos) | 4-6 | 3-6 | 7-10 | 5-7 | 
  | Salário médio durante o internato (aprox. em €) | 2800-3300 | 1700 - 2200 | 2300-3000 | 2700-3400 | 
  | Férias (dias úteis) | 27-30 | 30 | 27-32 | 25 | 
  | Ano sabático - Voluntariado- Possibilidade de trabalhar a 50% | sim | sim | sim | sim | 
  | Língua | Alemão | Francês | Inglês | Francês/ Alemão/Italiano | 
 
  
 Tabela 1. Especificidades de alguns países em relação à especialidade que podem ajudar no “Preferes”
  
 Como é que a Ordem pode ajudar? 
 A Ordem pode ser generosa ao ponto de tornar a saída menos difícil e, sobretudo, insisto nisto, facilitando o regresso. Já existem dois mil médicos sem especialidade. Seria inteligente ajudar os que procuram especializar-se fora a regressarem, uma vez especialistas.
 Por partes. Falta poder pausar a inscrição na Ordem, reactivando-a apenas no regresso (ao invés do e-mail anual que tem de ser enviado); seria de ouro ter um site actual sobre como regressar – documentos a apresentar, regras de concursos, equivalências, etc. Falta certificar que quem sai não vai ser penalizado.
 Existe uma dupla necessidade de entender o que leva a sair e de questionar o que fazer para que os que partem voltem. A Ordem tem de zelar por ambos: os que ficam, que não são mártires, e os que saem, que não são dissidentes.
 Cabe-lhe zelar para que quem está em Portugal possa fazer mais estágios fora, tirar períodos sabáticos e participar num sistema menos estanque e mais original. Cabe-lhe também aliciar os que emigraram a regressar.  Sem punir ou malfadar. Destes espera-se que regressem com ideias, com novas formas de trabalhar, com riqueza de contactos e com oportunidades a partilhar com os que ficam. 
 Resta-me esperar que com esta mistura consigamos melhorar o sistema de saúde e sobretudo a satisfação dos que nele trabalham.