A força dos Hospitais Civis

A força dos Hospitais Civis

A força dos Hospitais Civis

 

As recentes demissões dos chefes de equipa de Cirurgia e de Medicina da urgência de São José (e depois dos chefes de equipa da Maternidade Alfredo da Costa) vêm mostrar que os problemas dos Hospitais são sistémicos e não estão circunscritos a problemas pontuais em urgências periféricas.

 

É, efetivamente, uma situação de pré-catástrofe, cujas causas e implicações estão muito para além de abaixo-assinados de “2-3 médicos”, para “mascarar os bons resultados do SNS”, como rapidamente foram caraterizados, com uma precipitação muito infeliz.

 

Permitam-me destacar 3 aspetos essenciais destes momentos:

 

1. Em primeiro lugar, a catástrofe já atinge os hospitais centrais e é denunciada em bloco pelos seus principais responsáveis, os chefes de equipa.

Atinge, também, um serviço de urgência emblemático, referência no topo da pirâmide da rede de urgências, com prestígio que ultrapassa a prestação dos cuidados, sendo reconhecida a Escola de saber e de formação que representa há décadas para várias gerações de médicos.

 

A urgência do Hospital de São José, e da Maternidade Alfredo da Costa, ao deixar preocupados os chefes de equipa e a Ordem dos Médicos, deve também deixar um alerta que leve à união de todos os Hospitais e Centros de Saúde.

União, não no protesto, mas na procura de inovadoras soluções, construídas coletivamente, no seio da cooperação entre todos os médicos intervenientes.

 

2. Se aparentemente o fulcro da discussão e da atenção da comunicação social está nas urgências, as causas, repercussões e soluções devem ser encontradas fora delas, se quisermos efeitos duradouros.

 

Aumentar as instalações, deslocar para lá os internos, aumentar a percentagem de tempo dos melhores especialistas dedicado às mesmas, significa criar uma “Medicina Baseada na Urgência”.

Ter mais “atendimentos nas urgências” é sinónimo de falência do sistema, que devia ter na “rotina” (internamento, consulta, MCDT’s) as suas joias da coroa. Teremos melhor Medicina, e capacidade de formação, se investirmos mais nos serviços hospitalares, nas redes e outras formas de articulação entre hospitais e cuidados de saúde primários e continuados. Planeamento, gestão clínica e Saúde Pública parecem esquecidos num sistema em que deviam ser centrais.

 

3. A última é uma lição importante. O espírito dos Hospitais Civis neste movimento fez a diferença.

 

Noutros hospitais, com razões e dificuldades quiçá maiores, muitos médicos levantam problemas e procuram soluções, mas em movimentos individuais e/ou prontamente silenciados e divididos. Alguns “responsáveis” nomeados e dependentes da tutela, que tentaram sempre esconder ou abafar os problemas, condicionam de várias formas a liderança, liberdade e a ética médica.

 

A coragem e a lucidez dos chefes de equipa, prontamente secundada por todos os restantes elementos, mostrou um caminho diferente. Não se ouviu falar de remunerações, horas de trabalho ou descansos. O fulcro estava no doente, na segurança e na qualidade.

A união, mais uma vez, fez a força. E não pôde ser abafada desta vez.

 

Vi no brilho dos olhos e ouvi na força da voz de dezenas de médicos um misto de preocupação e empenho, de resiliência e carater, orgulhosos do seu passado e crentes nas soluções que querem propor.

 

Vi o espírito dos Hospitais Civis, que me emocionou e contagiou.

Que o seu exemplo seja seguido e constitua uma parte significativa da solução. Porque, com orgulho, todos somos médicos e a Medicina a nossa razão de ser...

 

Alexandre Valentim Lourenço

Presidente do Conselho Regional do Sul



6 de agosto de 2018

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