A Saúde e o Houdini dos tempos modernos

A Saúde e o Houdini dos tempos modernos

António Costa e Marta Temido descobriram, em Junho de 2022, que existe um problema estrutural na Saúde em Portugal. Consultei o mapa de visitas de António Costa e verifiquei se tinha tido alguma visita recente ao célebre Oráculo de Delfos. Nada. A sua última visita à Grécia ocorreu já há alguns anos. É pois um mistério como chegou a esta sua recente descoberta. 
António Costa é Primeiro Ministro desde 26 de novembro de 2015. Marta Temido é ministra desde 15 de outubro de 2018. Revisitando as declarações sucessivas de ambos, verifica-se que o otimismo tem sido uma constante no que se refere ao setor da Saúde. 
Agora, descobrem que existe uma crise estrutural. Como se uma crise estrutural fosse descoberta de um dia para o outro. 
Mas os passes de mágica não ficam por aqui. Tal como uma encarnação moderna do célebre Houdini, ambos continuam a exercitar verdadeiros passes de mágica. 
Todos os problemas que sempre negaram passaram agora a ser uma verdade insofismável. Todas as propostas que lhes foram apontadas pelos diferentes stakeholderes do sistema e, sempre recusadas, passaram agora a constituir o “Manual de como resolver a crise estrutural da Saúde em 7 dias”. 
O Conselho de Ministros aprova a 7 de Julho uma proposta de Estatuto do SNS e mais um conjunto de legislação. Que ninguém conhece para além do mostrado num power point, produto de uma moderna estratégia comunicacional. São anunciadas negociações com os sindicatos. O Ministério convoca reuniões sucessivas num frenesim assinalável. O PS inquieta-se.  
É anunciado que os médicos vão ganhar mais, que vamos todos progredir na carreira. As horas extraordinárias vão mais do que triplicar, os problemas dos contratos acabaram, a autonomia das instituições vai ser uma realidade, os gestores vão ter prémios de desempenho. E por aí fora.
Alguns mais crentes poderão acreditar que tudo vai mudar. Alguns mais cautelosos vão olhar com ar cético e esperar para ver o que se vai passar. 
Mas há que perceber que o actual estado da Saúde em Portugal é grave. E é grave, não porque tenha acontecido algo de especial ou imprevisto, mas porque nada foi feito nos últimos anos para alinhar os destinos da Saúde com os desafios das sociedades modernas e a evolução dos diferentes condicionantes da saúde e da doença. 
A Ordem dos Médicos vem, desde há anos, repetidamente, alertando para a necessidade de encarar os problemas do SNS com o propósito de os resolver. De Norte a Sul, do interior ao litoral, os problemas repetem-se e aumentam. Falta de recursos, disfunções gestionárias, deficit de financiamento, investimentos inexistentes, equipamentos avariados, desajustes entre necessidade em recurso humanos e físicos. Sem que nada aconteça.
O tema dos discursos inflamados e dos passes de mágica não são mais aceitáveis. Continuar a ignorar o que se passa e nada resolver levará a um pesado custo na saúde dos portugueses. 
Há que perceber que se os profissionais de saúde, médicos e outros, saem do SNS não é por opção ideológica, mas porque não mais encontram condições para lá trabalhar.  
Há que perceber que se os doentes preferem ser atendidos fora do SNS, com um aumento gigante de seguros de saúde e dos custos para a sua carteira, não é por opção ideológica, mas porque não conseguem encontrar soluções pra a resolução dos seus problemas no tão propalado SNS.   
O mundo mudou, as realidades mudaram e as pessoas e as suas expetativas mudaram. O sistema de Saúde também de adaptar e transformar. 
Temos de ter um sistema de Saúde mais ágil. Mais consciente e responsivo às diferenças das populações que serve. Recompensado o desempenho e a diferenciação. Assumindo que o desafio do sistema está na obtenção de ganhos em saúde e satisfação dos doentes mais do que em simples contabilidades de produção e de atos. 
Com instituições mais autónomas. Com maior respeito pelos médicos e outros profissionais de saúde, com maior agilização no desenvolvimento de carreiras modernas e justamente remuneradas. 
Com uma verdadeira articulação entre sector público, privado e social, assumindo que, ao Estado, cabe mais uma função de regulador do que de prestador. 
A verdadeira missão do Estado é garantir que todos os portugueses tenham acesso igual a cuidados de saúde. Com a mesma qualidade e a mesma diferenciação. 
Recorde-se, nem Houdini conseguiu enganar a morte. Por isso, os atuais passos de mágica de António Costa e Marta Temido podem também não conseguir evitar a morte do SNS. 
Acredito que o sistema vai sobreviver e modificar-se. Porque assim é a dinâmica das sociedades. Mas irá demorar mais, com mais custo para a saúde dos portugueses. Por isso há que mudar de rumo e acreditar verdadeiramente que a mudança depende de atos e não de promessas. Para que todos os portugueses tenham a saúde que tanto merecem. 

Jorge Penedo
Cirurgião
Vice-Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

14 de julho de 2022

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