Artigo de opinião de João Gamelas

Artigo de opinião de João Gamelas

Infarmed: onde está o futuro?

 

Há poucos meses (22/11/2017), fomos todos surpreendidos pelo anúncio da deslocalização do Infarmed, de Lisboa para o Porto. E a primeira reacção a essa surpresa foi, naturalmente, uma pergunta completamente transversal: mas qual a vantagem?

Nova surpresa: ninguém soube responder!

Perante a perplexidade de todos e na ausência de respostas concretas, a anunciada decisão de deslocalização transforma-se num pedido de estudo e na criação de um “Grupo de Trabalho para a avaliação dos cenários alternativos para a implementação da deslocalização do INFARMED para a cidade do Porto” (Despacho n.º 10857/2017 – Diário da República n.º 237/2017, Série II de 2017-12-12).

Tivemos de esperar uns meses pelos resultados desse estudo (Junho 2018).

Todos alimentámos a esperança de que esse relatório nos pudesse trazer as respostas às perguntas incontornáveis que poderiam justificar uma deslocalização do Infarmed. E, para isso, só poderia haver uma resposta: a deslocalização do Infarmed vai permitir desenvolver uma organização melhor.

O Infarmed já é uma entidade de referência nacional e internacionalmente reconhecida. Nós (o país) temos muito orgulho no nosso Infarmed e naquilo que ele já hoje é – o Infarmed “real”. Mas todos queremos que, no futuro, ele se desenvolva e se torne ainda melhor, partindo daquilo que já tem de bom. Todos queremos este Infarmed melhorado e não um novo.

Pensar no futuro do Infarmed é pensar em continuar o caminho que tem sido percorrido desde a sua criação, transformando, progressivamente, este Infarmed “real” no Infarmed “legal”, conforme foi idealizado e está previsto no seu enquadramento jurídico, em todas as dimensões da sua missão e das suas atribuições. E muitos destes desígnios legais estão ainda por cumprir.

Faltam, por exemplo (http://www.infarmed.pt/web/infarmed/apresentacao): registos (hepatite C, diabetes, próteses ortopédicas, …) que permitam “assegurar a vigilância e controlo da (…)utilização”; alargar a excelência das actividades de supervisão na área do medicamento para as áreas dos “dispositivos médicos e produtos cosméticos”; “Promover e apoiar, em ligação com as universidades e outras instituições de investigação e desenvolvimento, nacionais ou estrangeiras, o estudo e a investigação nos domínios da ciência e tecnologia farmacêuticas, biotecnologia, farmacologia, farmacoeconomia e farmacoepidemiologia”; entre muitos outros exemplos.

 Sempre a caminho de um Infarmed melhor e mais forte: com mais independência (incluindo uma verdadeira autonomia financeira), transformando-se numa indiscutível “entidade reguladora”; com mais transparência de procedimentos; com maior previsibilidade de processos e de prazos; com mais dados e melhores registos, suportados nas melhores soluções disponíveis nas tecnologias de informação.

Para percorrer este caminho e alcançar estes (e outros) objectivos, todos defendemos (e são inevitáveis) mudanças para o Infarmed. Mas mudanças que acrescentem valor ao próprio Instituto e, por esta via, também ao país e aos cidadãos. E não mudanças que não sejam claras mais-valias para o Infarmed. E muito menos que nem sequer se perceba se o são ou para quem o poderão ser.

A deslocalização é, seguramente, uma mudança, mas a mudança necessária e desejável é muito mais do que uma deslocalização e pode nem sequer passar por ela. Não sendo, nem uma nem outra, um valor em si mesmas, a não ser que seja claro e inquestionável o benefício para o alvo.

Mas parece incompreensível e, portanto, injustificável, neste momento, que uma deslocalização do Infarmed lhe fosse trazer benefício, caso não esteja garantida a migração dos seus colaboradores. Até fazendo fé no que foi, recentemente, escrito no seu site (http://www.infarmed.pt/web/infarmed/25-anos), por ocasião da comemoração dos 25 anos da sua existência (15/1/2018): “Ao longo destes 25 anos, a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde ganhou uma enorme robustez em todas as áreas de intervenção, sustentada pelo trabalho e dedicação de uma equipa de técnicos qualificados que realizam um trabalho de excelência”.

Chegados aqui, procuramos um novo Infarmed com novos colaboradores? Seguramente que não!

Mas enquanto o resultado do Grupo de Trabalho nos fala em potenciais ganhos de produtividade pela construção de novas instalações no Porto, sublinha que é preciso acautelar a continuidade dos trabalhadores para que o trabalho do regulador não seja comprometido. E propõe várias medidas: a transformação em entidade reguladora, a criação de incentivos especiais de mobilidade para garantir a continuidade dos actuais funcionários e em paralelo a formação de novos recursos humanos, até com recurso a e-learning.

Pelo contrário, o poder local (Presidente da Câmara Municipal do Porto em 25/6/2018) desvaloriza este aspecto, referindo que se os funcionários do Infarmed não quiserem ir trabalhar para o Porto, outros quererão, até entre aqueles funcionários públicos que, sendo do Porto, trabalham em Lisboa.

Esperamos agora todos, ansiosamente, que o bom senso prevaleça e que cheguem decisões políticas compreensíveis que salvaguardem e potenciem o nosso Infarmed.

 

Nota

O autor escreve com as regras ortográficas anteriores ao Acordo



21 de agosto de 2018

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