Crónicas do Dr. Gago Coutinho

Crónicas do Dr. Gago Coutinho

 

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O COVID e os Centros de Saúde

 

Quinze meses depois do 1º caso de COVID em Portugal, a principal certeza que temos é a incerteza.

Teorias são várias. Para a origem do vírus. Para a sua evolução. Para quantas vagas já houve e quantas mais haverá. Quais as soluções de saúde pública a adotar. Máscara, sim ou não. Isolamentos profiláticos de 6, de 10, de 14 dias. Vacinas boas más e vacinas más. 1 dose, 2 doses, 3 doses, doses mensais. Haverá Imunidade de grupo nos 70, 90 ou 100%. Ou se calhar não haverá.

Novos protagonistas que lutam diariamente para “informar” os portugueses com mais uma solução ou mais uma dúvida. As suas caras são conhecidas e comportam-se como verdadeiras estrelas mediáticas. Os colegas conhecem-nos e sabem bem os seus nomes.

Ganharam o espaço que Graça Freitas, Marta Temido e António Sales deixaram vazio com o fim das suas conferências diárias.

Os célebres colóquios do INFARMED também caíram em desgraça até que o Grande Comentador da televisão portuguesa sugeriu o seu aparecimento e eis que o governo o convocou de imediato.

E chega a 4ª vaga. Chega a variante lambda. O número de casos sobe continuamente desde há semanas. E os profetas da desgraça lançam os primeiros petardos. Volta o alarme em torno dos internamentos e dos cuidados intensivos. Emitem-se avisos de que as férias dos médicos vão ser congeladas.

E no meio deste ruído gigante, ninguém para fazer uma reflexão profunda sobre o impacto deste aumento na prestação de cuidados de saúde.

Uma palavra muito especial para os médicos de medicina geral e familiar. Pouco falada é a situação dos centros de saúde e o porquê do que atualmente acontece.

Há muito que é conhecido que entre 750.000 e 1M de portugueses não têm médico de família. E desde há meses que os que existiam passaram a ver parte do seu trabalho deslocalizado para outros locais e para outras funções.

Dois exemplos são bem elucidativos desta realidade: os postos de vacinação e as ADR.

Todos os postos de vacinação têm um médico em presença física. E a sua maioria funcionam com horários alargados. A sua existência é essencial, mas retira centenas de médicos de família periodicamente dos seus centros de saúde.

As ADR-C funcionam na dependência dos médicos dos centros de saúde, estando a sua esmagadora maioria situados fora dos mesmos. Também aqui estão envolvidoss muitas centenas de médicos de família.

Esta realidade tem sido totalmente escamoteada pelo Ministério da Saúde parecendo que acreditam no milagre das rosas da nossa história régia. De facto, nem passaram a existir hologramas dos médicos de família e muito menos fotocópias dos mesmos.

Temos muito bons médicos de família. Internos fantásticos. Mas não se lhes pode exigir que estejam em dois lugares em simultâneo. Por esse motivo há que assumir que para garantir os postos de vacinação e as ADR muitos mais portugueses irão ficar sem médicos de família. Muitas consultas ficarão para trás. Muitos rastreios ficarão para fazer. Muitas referenciações ficarão por fazer. Muitos exames ficarão por pedir. Muita doença ficará por diagnosticar ou tratar.

A estratégia do Governo e das ARS’s tem sido a de negar esta realidade. Valorizando a nobre tarefa para onde são deslocalizados, mas branqueando tudo o que fica para trás e por fazer.

O tema da retoma, infelizmente ficou para trás. Foi criada e alimentada a perceção que tudo estava resolvido ou em vias de se resolver. E se esta retoma teve algumas tentativas de ser resolvido a nível hospitalar, muito se deveu a iniciativas locais e ao recurso a produção adicional.

Nos Centros de Saúde não são conhecidas iniciativas sistematizadas nem qualquer abertura à ajuda do setor convencionado social ou privado. Pelo caminho ficarão todos os aqueles que não têm capacidade para encontrar alternativas. Todos aqueles para os quais o SNS se deve dirigir em primeiro lugar.

E perguntamos o que irá acontecer à saúde de todos aqueles que dependem totalmente da assistência do SNS? O que irá acontecer à sua esperança de vida? À sua qualidade de vida? Provavelmente estes dados só serão conhecidos quando a equipa da saúde for uma outra que não a atual. E aí, mais uma vez, a culpa morrerá solteira.

Olhar com seriedade para o retoma e a normalização dos cuidados de saúde a nível dos cuidados de saúde primários é por demais essencial. O problema existe e é bem real.

Os médicos de família fazem o que podem e não se pode exigir-lhes mais. Ma eles podem e devem exigir mais cuidados para os seus doentes.

E este é também um tema em que o nosso bastonário poderia e deveria intervir na defesa dos médicos de família e dos doentes.

 

Dr. Gago Coutinho

 

 

28 de julho de 2021

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