Alguém sabe das carreiras médicas?

A carreira médica é inequivocamente uma das maiores vitórias da classe médica e do SNS nos tempos atuais.

Ao longo dos anos, as carreiras médicas têm sido o reflexo da vontade de uma classe em ter uma progressão não administrativa, mas cientifico-técnica. Ao longo dos anos os concursos médicos são marcos da nossa vida profissional para os quais nos preparamos de forma intensiva. Todos nós passámos dias, meses e anos a estudar, imersos em vídeos científicos, artigos e livros. Com prejuízo da vida pessoal e familiar.

Saber as melhores práticas. As últimas normas. As melhores inovações. A descoberta que permitirá tratar um doente para o qual não tínhamos soluções.

Os vários concursos a que os médicos se sujeitam ao longo da sua vida profissional são, pois, o garante, para doentes e sociedade, que a sua saúde está bem assegurada.

Constituem, pois, os concursos, um garante essencial, para o Estado e para o SNS, de que Portugal tem uma significativa vantagem com a existência de um quadro sólido e sustentado de concursos.

Mas então qual a realidade atual?

O primeiro grande concurso da carreira médica é o que envolve a saída dos internatos de formação específica e a posterior abertura de vagas. E que constatam os médicos?  

Rigor na admissão da especialidade. Um “pesado exame” por todos reconhecido.

Rigor nos programas de estágio. Rigor nos exames.  Acabamos o internato com um total de 22 a 25 anos de estudos. E depois desse longo e exigente percurso o Estado tarda em colocar os recém-especialistas. Exemplo de 2019, em que exigiu aos hospitais que lhe desse a indicação das contratações que pretendia, num prazo de poucos dias, e depois leva meses a anunciar os resultados. Em 2019 o Estado continua a não anunciar quem, onde e como vai colocar as centenas de especialistas que tem por colocar.

E passados 5 anos novo concurso. Desta vez para Assistentes Graduados. E de novo os médicos se preparam para mais um exame. E mais uma vez o Estado não cumpre prazos, nem na abertura nem na concretização dos concursos. O concurso de 2015 ainda não fechou totalmente. E há um concurso de 2017 que nem perspetiva de provas existe. O de 2019 já passou e de nada se sabe.

E passados mais uns anos, novo concurso. Para Assistente Graduado Sénior. Este ano o Estado, leia-se Ministério das Finanças, autorizou cerca de 200 vagas. Para todo o país. E a política de durante anos não terem aberto vagas leva a que já existam especialidades que não têm especialistas para fazer júris.

O Estado devia ter vergonha da sua conduta.

O Estado devia estabelecer uma calendarização de concursos. Devia cumprir prazos. Devia ser transparente. Devia planificar necessidades e não deixar uma planificação exclusivamente limitada pelas condições do Ministério das Finanças.

O que é normal é que os médicos saibam as regras de progressão na carreira. Como evoluem técnico-cientificamente. As funções de cada patamar da carreira e como se devem organizar os serviços. O que se exige ou pede a um Assistente ou a uma Assistente Graduado Sénior não pode nem deve ser igual. Não que um ou outro deva trabalhar mais. Mas que deve haver uma diferenciação que resulta da integração de conhecimentos e experiência.

E se o tema das Carreiras Médicas é por demais relevante, qual o motivo pelo qual ele não pode ou deve alargado ao Setor Privado?

Caros colegas, devemos ser mais exigentes. Devemos exigir a criação de um novo modelo de carreiras e de concursos de acordo com as necessidades do país e de forma a que as mais legítimas expetativas dos médicos sejam reais. Devemos exigir o cumprimento de prazos. E este tema não é uma questão financeira é uma questão de vontade política e de organização.

E o Estado tem de perceber que, se não o fizer, será o principal, senão mesmo o único, responsável pelo desabar do SNS.

As carreiras médicas não são o único problema do SNS, mas são certamente um dos principais.

Gago Coutinho