Editorial do Medi.com responde à Ministra da Saúde

Editorial do Medi.com responde à Ministra da Saúde

Não Srª Ministra, não devemos nada ao SNS

 

“A formação Médica é muito cara e os médicos devem compensar ficando amarrados por um pacto ao SNS”.

Marta Temido, Ministra da Saúde

 

Ciclicamente volta à ribalta este falso argumento, em particular quando se pretendem impor medidas drásticas e próprias de uma sociedade não democrática ao regime de trabalho médico. São tendências totalitárias, próprias de uma atitude centralista que reage demagogicamente a impulsos populistas.

Mais que desmontar estes argumentos, importa ter uma posição unida da classe face a esta agressão que ofende quem, anos após anos, tem lutado por uma Medicina de serviço público. Por muito que custe a um grupo que vê no “Serviço Médico à Periferia” e numa dedicação exclusiva obrigatória e compulsiva, próprios de outros tempos e contextos, uma solução adequada para os complexos problemas do SNS, não devemos dar azo a que velhas formas com conotação ideológica imponham às novas gerações de médicos uma “escravatura” encapotada. Sob pena de morrermos mais depressa da “cura” do que do “mal”...

Em primeiro lugar, o excesso de médicos. Com o atual numerus clausus excessivo, que permite ter uma “produção excedentária” de médicos, com fronteiras escancaradas à emigração e imigração médica, esta situação vai manter-se durante pelo menos mais 6 anos (com os alunos que já existem) e provavelmente mais 4 (fruto do enquadramento político da nova Assembleia da República, que criou e mantém esta avalanche). Adivinha-se uma pletora de médicos (com especialidade, dado as vagas dos internatos atribuídas pela Ordem serem semelhantes às entradas/saídas das faculdades) que aceitarão (?) salários baixos para puderem exercer a profissão que escolheram. Mas as fronteiras estão abertas e o regime privado também anseia por médicos novos, diferenciados e baratos...

Em segundo lugar, o preço do curso de Medicina. Dados da própria Universidade de Lisboa (ver quadro) revelam que o custo de um licenciado em Medicina é de 5539 €/ano, inferior ao de um dentista (7488€/ano) ou um engenheiro (8390€/ano). E todos pagam a mesma propina anual (que deve ser subtraída) - 1063,47€. Não consta que o Estado queira amarrar os dentistas aos centros de saúde (onde fazem muita falta) ou os engenheiros tenham que devolver ou compensar os seus estudos.

Em terceiro, o Internato da Especialidade. Não é um curso, nem ensino...

São milhares de consultas, internamentos e urgências, essenciais para o funcionamento dos serviços hospitalares. Pagos com um salário baixíssimo, comparado com outras profissões na área da saúde, com muito menos responsabilidade. Sem contar com as bolsas de horas não pagas ou compensadas, com os cursos pagos a expensas próprias, investigação e formação gratuita de alunos ou outros profissionais, com provas de avaliação anuais exigentes para as quais gastámos férias e fins-de-semana sem fim, longe da família ou amigos. Quer durante o internato quer após... Não digam, nem pensem sequer em dizer, que “os médicos” deviam pagar a sua formação... é uma ofensa para todos os especialistas que realizaram o Internato nos últimos 30 anos, tanto como para os internos que estão a realizá-lo. Uma ofensa à Classe Médica, despropositada e que provoca certamente uma reação com resultados opostos. Nem mesmo a maioria dos médicos mais velhos ou retirados deixarão de sentir tal afronta...

Não podemos responder com vergonha a esta campanha geral conduzida para amarrar os nossos internos (e quiçá os especialistas), ou obrigar a escolhas contranatura. Em muitas especialidades, a aplicação destas soluções rígidas e coercivas terão um efeito oposto. Não devemos dar crédito a uma corrente totalitarista, quase bolchevique, que pretende aplicar soluções erradas ao abrigo de falsos argumentos. Mas não dar crédito não significa estar parado.

A união em torno da Ordem passa por uma resposta com medidas concretas que temos apresentado pela Ordem e com o nosso Bastonário. E não cair em armadilhas que nos dividam em internos, especialistas ou diretores de serviço, médicos do público ou do privado, hospitalares ou cuidados primários, esquerdas ou direitas. Refutar um regresso ao passado com velhos protagonistas para os quais o futuro é apenas um reviver de velhas medidas e conceitos.

A união agora é essencial e o caminho de uma Medicina moderna e de futuro é para preservar. Afinal somos médicos ativos e queremos uma Medicina Moderna e Melhor.

Por isso reafirmamos: “Não, não devemos nada...”. E vamos continuar a lutar pela saúde dos Portugueses.

 

Alexandre Valentim Lourenço

Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos


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2 de dezembro de 2019

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