Inquérito apurou responsabilidades em Reguengos

Inquérito apurou responsabilidades em Reguengos

Comissão de Inquérito

Relatório da Auditoria aos Cuidados Clínicos prestados aos utentes do Lar da FMIVPS em Reguengos de Monsaraz devido ao surto COVID-19

Sumário Executivo

Os Lares, como estruturas residenciais para pessoas idosas, muitas delas portadoras de doenças crónicas merecedoras de particular atenção, estão identificados como locais muito sensíveis às epidemias sazonais. No caso da COVID-19, dada a grave repercussão clínica nos grupos de risco desta pandemia, os utentes dos Lares estão identificados como particularmente vulneráveis e devem ser alvo de proteção especial.

No caso do lar de Reguengos, o número de infetados e as suas consequências foram alvo de ampla exposição mediática. A par destas notícias, vários médicos e estruturas envolvidas fizeram chegar informações sobra a prestação de cuidados no Lar que motivaram a criação de uma comissão de inquérito interna.

Esta comissão teve como objeto a avaliação das condições de prestação de cuidados clínicos aos utentes, organizando e completando informação que chegavam de forma avulsa, à Ordem dos Médicos.

A metodologia utilizada passou pela realização de uma visita às instalações do pavilhão multiusos do parque de feiras do município, de entrevistas locais e por meios telemáticos a vários intervenientes, da análise documental e pelo preenchimento de uma grelha de auditoria.
Por não ter sido do âmbito desta auditoria, foram excluídas as avaliações dos processos clínicos hospitalares. Vários documentos solicitados não foram apresentados até ao momento à Comissão, apesar de solicitados em vários passos do processo.

Da análise do mesmo podemos destacar os seguintes dados e conclusões:
1. As precárias condições das instalações do Lar, que não permitiam o cumprimento das orientações mais básicas emitidas pela DGS, como o isolamento diferenciado para os infetados ou sequer o distanciamento social para os casos suspeitos. Não existia, por exemplo, definição de circuitos de limpos e de sujos, o que foi feito apenas a 26 de junho, 9 dias depois de ter sido confirmado o primeiro caso.
Conclusão: falta de condições não permitiu delimitar a transmissão, com responsabilidades para a gestão do Lar.

2. Os Recursos humanos foram insuficientes para a prestação de cuidados adequados no Lar (mesmo antes da crise de COVID-19), situação que se agravou com os testes positivos entre os funcionários, que os impediram de trabalhar. Uma das consequências mais graves é que vários doentes estiveram alguns dias sem as terapêuticas habituais, por falta de quem as preparasse ou administrasse sendo que houve casos de preparação e administração de fármacos por pessoal sem formação de enfermagem.
Conclusão: os doentes não foram tratados de acordo com as boas práticas clínicas, com responsabilidades para quem sabendo que não tinha os recursos humanos adequados e preparados, permitiu quer esta situação se protelasse no tempo.

3. O processo inicial de rastreio– desde a primeira zaragatoa até aos resultados finais de todos os utentes e funcionários– demorou perto de 3 dias, período de tempo em que os potencialmente infetados conviviam e partilhavam espaços, quartos, corredores e casas de banho.
Conclusão: criaram-se condições para rápida disseminação com responsabilidades para quem geria o espaço, o processo de rastreio epidemiológico e a aplicação das normas da DGS.

4. Subordinação da liderança clínica às intervenções superiores administrativas com consequente descoordenação logística de meios e do pessoal de saúde (médicos, enfermeiros) bem como da articulação com o pessoal auxiliar e voluntário. Falhou, por isso, o processo de governança clínica.
Conclusão: desorganização e consequente prejuízo para os doentes, atribuível à Autoridade de Saúde e à ARS do Alentejo.

5. A Autoridade de Saúde Pública não visitou o Lar para avaliar localmente estas circunstâncias. Delegou as funções, designadamente no ACES, cujo diretor clínico foi designado pelo presidente da ARS como responsável do pavilhão.
Conclusão: os responsáveis, que foram alertados pelos profissionais, não agiram atempadamente e em conformidade, mantendo os doentes em circunstâncias penosas e facilitando o crescimento do surto, antes da transferência para o pavilhão.

6. Não nos foi apresentado qualquer plano de contingência interno da instituição na fase anterior ao surto nem evidência de que os funcionários do Lar tiveram formação nessa matéria. Aos médicos deslocados nunca foi dado conhecimento do mesmo, o que impediu uma resposta imediata, coletiva e coordenada.
Conclusão: a instituição não cumpriu as regras estabelecidas e não teve assim condições para enfrentar com rigor o surto.

7. A 2 de julho, mais de duas semanas depois do início do surto, é finalmente tomada a decisão de transferir todos os infetados para um “alojamento sanitário” no pavilhão, quando já se contabilizavam 8 mortos e 138 casos ativos.
Conclusão: a medida foi tardia e era fácil ter sido tomada de imediato no início do surto.

8. Este alojamento sanitário – como o designou a Autoridade de Saúde – melhorou as condições na prestação de cuidados aos doentes, mas revelou falha de coordenação e de organização de trabalho, designadamente na completa inexistência de protocolos de atuação clínica, bem como falhas na gestão e administração de medicação. As equipas gerem-se praticamente a si próprias e são notórias as dificuldades de controlo de entradas e saídas no espaço, por exemplo dos voluntários, que desconhecem, ou não aplicam, procedimentos tão básicos como vestir, usar e despir EPI.
Conclusão: mesmo em melhores condições a falta de coordenação e gestão continua a impedir que os doentes, os profissionais e os voluntários estejam em ambiente seguro, responsabilidade que pode ser atribuível mais uma vez à ARS do Alentejo e à Autoridade de Saúde.

9. O alojamento sanitário permitiu que regras e normas da DGS pudessem ser aplicados à semelhança de outros lares. Nunca foi denominado de “hospital de campanha” nem tinha
condições para ser considerado um hospital.
Conclusão: Os responsáveis pelo pavilhão sempre exigiram a presença de médicos e enfermeiros em permanência nas instalações. Dessa forma assumem a gravidade clínica da situação e consequente desvio de profissionais de saúde dos seus locais habituais de trabalho. Assim, não se compreende a manutenção dos doentes num local inapropriado para a realização de cuidados diferenciados.

Lisboa, 4 de Agosto de 2020
A Comissão de Inquérito da Ordem dos Médicos

7 de agosto de 2020

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