Um SNS a caminho da reforma

Um SNS a caminho da reforma

Jorge Penedo*

Em 2019 comemoram-se os 40 anos do Serviço Nacional de Saúde. Certamente com pompa e circunstância. E a pergunta que se coloca é: para onde caminha o SNS?
A defesa do SNS tem a unanimidade de todos. O Ministério da Saúde todos os dias pretende demonstrar que tudo está bem. E a realidade, diariamente, contraria estas afirmações. 
O SNS atravessa uma crise há muito prevista. E há muito ignorada e escamoteada por muitos. O SNS tem um gigantesco problema sobre o qual vale a pena refletir e para o qual importa encontrar rápidas soluções. Os recursos humanos médicos. 
No que se refere aos recursos humanos o diagnóstico é claro. 
Nos médicos uma rápida reflexão explica bem a situação. Durante as últimas duas décadas ignorou-se a planificação e os dados de todos conhecidos.
A saber: 
Desde há duas décadas que o setor privado tem vindo a crescer. O que implica que tem aumentado a sua necessidade em médicos. Uma necessidade sustentada pela capacidade de formação de médicos pelo SNS. Ou seja, os médicos são formados no público e são utilizados pelo público e pelo privado. As incompatibilidades têm aumentado e as condições do público têm diminuído quando comparadas com o privado. 
Por outro lado, os médicos demoram entre 12 a 14 anos a serem especialistas. Ou seja, entre a decisão do numerus clausus e o início de funções como especialistas decorre mais de uma década. Significa que o número de alunos que entra para as Faculdades de Medicina em 2019 vai ter impacto real no número de especialistas em 2033. E há que sublinhar que só há Faculdades de Medicina públicas e que a formação de especialistas se faz esmagadoramente no sistema público.
Recorde-se ainda que enquanto há uns anos atrás a maioria dos médicos trabalhava nos sistemas públicos e privados atualmente a separação entre os dois sistemas é um caminho cada vez mais marcado. 
A diminuição de especialistas no sistema público irá diminuir igualmente a capacidade de formar especialistas médicos para o nosso sistema de saúde. O que levará o sistema, já instável, a riscos de ainda maior instabilidade. Com a manutenção da capacidade instalada no sistema público.
Por muito que o ministro da Saúde tente contrariar esta realidade, todos que trabalham no SNS sabem que o atual momento só é possível de se manter pela enorme dedicação dos médicos que nele trabalham. Situações que levaram à demissão dos chefes de equipa do Hospital de S. José ou das chefias, incluído o Diretor Clínico, do Hospital de Vila Nova de Gaia, não podem deixar de constituir importantes alertas para o sistema. 
Há que afirmar claramente que existe um claro défice de médicos especialistas no SNS. 
Há que reafirmar que este problema irá agravar a capacidade de formar médicos especialistas para o futuro. O que irá agravar o atual momento. E há que relembrar o tempo de formação dos médicos. Este não é um problema de hoje e não será possível resolver para alimentar ciclos eleitorais.
O problema do défice dos recursos médicos pode asfixiar o SNS a muito curto prazo. A crescente atribuição de tarefas não clínicas irá agravar esta situação. O encerramento de camas e fecho sistemático de salas de bloco operatório piora diariamente e diminui a capacidade formativa. E a assimetria de condições de trabalho entre público e privado não irá facilitar o encontrar de soluções. A assimetria de condições entre várias regiões do país irá levar ao aparecimento de profundadas desigualdades. 
O problema dos recursos médicos pode limitar a prestação de cuidados de saúde de qualidade. Limitando o acesso e a equidade. 
A resolução deste problema vai demorar mais de 10 anos a resolver. Exige medidas de curto, médio e longo prazo. Mas se não forem tomadas medidas de imediato as consequências serão já no curto prazo. Agravando-se todos os anos. O tema é complexo e exige que todos se juntem no sentido de encontrar soluções disruptivas, mas que sejam construídas na base da estabilidade e do consenso. 
Todos queremos um SNS mais forte e um sistema de saúde mais equilibrado. Mas não basta afirmá-lo. Há que tomar decisões claras para o garantir. 
Os portugueses assim o querem e assim o exigem. 
E há que dizer que o SNS pode contar com todos os médicos para o defenderem e para o garantirem. 
Cabe ao poder político dar os passos essenciais para o conseguir. 

*Vice-Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

12 de setembro de 2018

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