ADSE deveria ser um instituto público de gestão participada

ADSE deveria ser um instituto público de gestão participada

Eugénio Rosa defende “a transformação da ADSE num instituto público de gestão participada”, figura que está consagrada na lei. Trata-se de “um instituto público em que a direcção é nomeada pelo Governo mas há elementos que podem ser indicados pelos beneficiários”. O economista, assessor da Frente Comum, advogou esta solução num debate sobre a ADSE, que decorreu no dia 13 de Abril, organizado pelo Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos em parceria com a Associação Portuguesa de Engenharia e Gestão da Saúde.

 

O painel do debate contou com a moderação de Jaime Teixeira Mendes, presidente do Conselho Regional do Sul, e Carlos Tomás, presidente da APEG Saúde, e com intervenções das dirigentes sindicais Ana Avoila (coordenadora da Federação Nacional da Função Pública) e Maria Helena Rodrigues (presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado), dos administradores privados João Martins e João Mendes Ribeiro e ainda de Cipriano Justo, que foi professor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e é agora docente da Universidade Lusófona. Eugénio Rosa apresentou dados sobre o funcionamento da ADSE numa intervenção que se reproduz na íntegra:

“Muitas vezes se diz que a ADSE é uma espécie de seguro de saúde. Não é verdade. Se analisarmos mais profundamente as características gerais da ADSE chegamos à conclusão que não tem nada a ver com os seguros privados de saúde. Em primeiro lugar, porque a contribuição fixa não é igual para todos, na ADSE funciona a solidariedade interprofissional, portanto os beneficiários contribuem com uma percentagem do rendimento que têm – quanto mais elevado é o rendimento maior é a contribuição – e isto não existe no seguro privado de saúde. Mais, há cerca de cem mil beneficiários – não estou a falar dos familiares – que não contribuem, são os aposentados que têm uma reforma inferior ao salário mínimo.

Mas não é só diferente por isto, se analisarmos a estrutura etária dos próprios beneficiados chegamos à conclusão que a ADSE tem uma característica diferente. Todos sabemos que os seguros, a partir de uma determinada idade porque os custos de saúde aumentam bastante, tentam eliminar pessoas. Na ADSE não acontece isso.

Utilizando dados publicados nos relatórios dos planos de actividades da ADSE, e analisando as despesas por grupos, por escalões etários, chegamos à conclusão, por exemplo, que o pagamento médio por beneficiário na ADSE, em 2014, era de 268 euros. Se analisarmos o custo por escalão etário, o custo nas idades mais baixas é extremamente baixo, entre 20 e 30 anos o custo por capitação é de 165 euros; enquanto em beneficiários entre 70 a 80 anos – e na ADSE estão 60mil beneficiários nesta situação – o custo é de 391 euros; para beneficiários com mais de 80 anos, portanto ninguém é excluído por idade o que não acontece nos seguros de saúde, o custo já é de 616 euros por beneficiário, quase 2,5 vezes o pagamento médio à ADSE.

Estas duas características importantes diferenciam a ADSE do seguro de saúde privado. Outro aspecto, agora relativamente ao sistema de financiamento da ADSE que foi alterado profundamente. Tenho defendido sempre que a ADSE devia ser, não somente mas também, financiada pelo Orçamento do Estado porque, existindo a ADSE, muitos serviços de saúde não são prestados, o SNS livra-se da prestação desses serviços e dessa despesa. No entanto, durante o período da Troika, alterou-se profundamente o sistema de financiamento, começando por reduzir-se a zero em primeiro lugar as transferências do Orçamento do Estado. Isso aconteceu a partir de 2011 e aconteceu o mesmo com os descontos das entidades empregadoras. Os organismos públicos que contribuíram para a ADSE, que em 2012 ainda contribuíram com 193 milhões de euros, a partir dessa altura começaram a pagar cada vez menos e para 2015 estavam apenas previstos 21 milhões de euros. Alterou-se o sistema de financiamento e a contribuição dos trabalhadores e dos aposentados que em 2010, 2011 e 2013 andava à volta dos 200 milhões de euros. Com o aumento para os 3,5% passou em 2014 para 520 milhões de euros, o que duplicou o orçamento da ADSE que tem como origem os descontos dos trabalhadores. Em 2015 a previsão constante do plano de atividades da ADSE era de 546 milhões de euros.

Se compararmos as receitas da ADSE, que passaram a ter como fonte de financiamento quase exclusiva as contribuições dos descontos feitos nos salários dos trabalhadores da função pública e nas pensões, com as despesas constatamos, por exemplo, que em 2000 e em 2014 as receitas foram superiores às despesas em 200 milhões de euros. Portanto, a conclusão que se tira daqui é que o aumento para os 3,5% foi excessivo e não era necessário, embora isso depois representasse um corte no rendimento dos trabalhadores e dos aposentados que a própria ADSE contabilizou em 200 milhões.

Numa reunião da Frente Comum, de que sou assessor, estivemos para discutir esta questão com o secretário de Estado da Administração Pública quando ele nos anunciou que a contribuição de desconto ia ser aumentada para os 3,5%, perguntei-lhe qual o estudo que tinham feito para chegar a esse valor e ele respondeu que não fizeram, a Troika é que tinha mandado. Eu pedi-lhe os dados que me deram depois de muita pressão. Fiz o estudo e mandei para o secretário de Estado dizendo que o número era excessivo, que ia provocar um aumento, um excedente, um lucro à volta dos 250 milhões de euros. No relatório da ADSE veio confirmar-se, efectivamente, que são 200 milhões de euros. Para 2015 o excedente previsto é de 142 milhões de euros.

Em dois anos acumularam-se 342 milhões de euros, isto representa um corte nos rendimentos depois de tantos cortes feitos nos aposentados e nos trabalhadores da função pública. Pode-se perguntar para que serve o dinheiro acumulado, a resposta é que contribui para a redução do défice orçamental. O dinheiro continua lá mas quando se faz o cálculo do défice orçamental a ADSE é uma direcção de serviço público, e o saldo entra no saldo global.

Às vezes não se tem a noção clara da contribuição da ADSE para os serviços privados de saúde, diz-se por exemplo que é o maior financiador dos serviços privados. Vou ao relatório e vejo que se gastaram com o regime convencionado, por exemplo em 2014, 248 milhões de euros; no regime livre 126 milhões de euros. Mas se olhar para as contas do SNS, há uma parcela muito grande que é precisamente aquisições a privados. Tenho aqui as contas que o Ministério da Saúde apresentou na Assembleia da República e, em 2014, em fornecimentos e serviços externos, nomeadamente de entidades privadas, o SNS gastou 3667 milhões de euros; em 2015, 3640 milhões de euros; em 2016 a previsão é de 3569 milhões de euros. E só nas parcerias público-privado na saúde; nos hospitais, o SNS pagou, em 2014, 430 milhões de euros, mais do que aquilo que a ADSE adquire a privados; em 2015, 438 milhões de euros e, em 2016, 448 milhões de euros.

O argumento de que a ADSE é um financiador dos sistemas privados é falacioso. Devemos ter cuidado com esse tipo de argumentos. Temos de ver este problema da ADSE de uma forma muito mais equilibrada.

Outro aspecto importante para reflexão é a proposta de referendo para saber se os trabalhadores da administração pública querem ou não a ADSE. Acho que já há um referendo, porque qualquer trabalhador ou aposentado da função pública pode sair da ADSE, por lei. E vejamos a evolução do número de beneficiários da ADSE: em 2014 tinha 1 milhão e285 mil; em 2015 tinha 1 milhão 254 mil; em 2016 há a previsão de 1 milhão 222 mil. Portanto, há uma diminuição. Mas se analisarmos esta redução não globalmente mas pelo tipo de beneficiário constatamos, por exemplo, que os trabalhadores activos, em 2014, eram 548 mil e, em 2016 (até Março), eram 505 mil. Relativamente aos trabalhadores aposentados: em 2014 eram 342 mil, em 2016 (até Março) eram 384 mil. Onde houve uma diminuição mais significativa foram nos familiares, que passaram de 424 mil para 382 mil. Se os trabalhadores podem sair e não saem, o que é que isto significa na prática?

Utilizando mais uma vez os próprios dados dos relatórios de actividade da ADSE, constatamos que foram financiadas 3 milhões de consultas por ano e 6 mil cirurgias por ano. Há um conjunto de prestações de serviços que pela sua dimensão libertam o SNS. Em 2016, o orçamento para o SNS é praticamente igual ao orçamento de 2015. Há uma despesa que automaticamente aumenta que é a reposição dos salários, e isso custa ao SNS 130 milhões de euros, mas o aumento no orçamento do SNS penso que anda à volta dos 8 milhões. Isto significa na prática que o SNS tem menos meios financeiros. Estamos perante uma situação que não vai mudar muito rapidamente. Penso que quando se analisar o problema da ADSE tem que se ver neste contexto concreto e nas dificuldades concretas que o próprio SNS enfrenta, fruto do estrangulamento.

Para terminar, avançar com algo que está em discussão como vocês sabem, o modelo de governo da ADSE. Alinhei quatro tipos de solução que apresento aqui apenas para reflexão e vou pronunciar-me sobre elas, dando a minha opinião. A primeira solução seria a manutenção da ADSE como é. Isto significa na prática que os utentes, trabalhadores e aposentados que financiam integralmente a ADSE não têm qualquer controlo sobre a ADSE. Por exemplo, há um conselho consultivo na ADSE, e eu até fui indicado pela Frente Comum para estar nele, mas há anos que não se reúne. Ou seja, não há voz nem representação dos trabalhadores e dos aposentados na ADSE.

A segunda solução que tem sido defendida, é a transformação da ADSE numa mútua. Eu pertenço aos órgãos sociais do Montepio, que é a maior organização mutualista como vocês sabem, tem 630 mil associados e o controlo deles sobre o que acontece é reduzido. Quem se apodera da direcção depois, na prática, acaba por gerir a própria administração. As mutualidades têm um órgão de supervisão mas está em autogestão total porque a supervisão não é feita.

A outra solução, como alguns defendem, é a extinção da ADSE. Pelos dados que aqui apresentei penso que isso iria contra a vontade dos próprios trabalhadores e beneficiários da ADSE. A prova disso é que apesar de a saída ser livre a maioria esmagadora dos beneficiários mantém-se. A sua inclusão no SNS iria provocar problemas.

Deixo para o fim uma outra solução, aquela que eu defendo, que é a transformação da ADSE num instituto público de gestão participada. Isto está previsto na lei. É um instituto público em que a direcção é nomeada pelo Governo mas há elementos da direcção que podem ser indicados pelos beneficiários. Portanto, haveria aqui uma vigilância dos próprios beneficiários.”

15 de abril de 2016

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