Artigo de opinião de Maria de Carvalho Afonso

Artigo de opinião de Maria de Carvalho Afonso

Médicos do SNS: cansados e insuficientes

 

Maria de Carvalho Afonso*

 

Com a chegada do verão de 2019, as dificuldades que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem tido em manter equipas de urgência completas nas diferentes especialidades, nos diferentes hospitais do país, chegaram à opinião pública.

Para muitos não é novidade esta dificuldade. Aliás, atualmente, é uma não novidade. Foi um Agosto de buracos e remendos. E que persistiu nos meses que se seguiram e que, provavelmente, irá agravar-se com as festas de Dezembro. Os escassos recursos humanos com que nos deparamos, ou por limite de idade, ou pela saída para o sector privado, com níveis remuneratórios muito mais apelativos, deram à luz uma verdadeira crise na capacidade da eficiência exigível. Que ainda é agravada pelo processo lento e burocrático das novas contratações.

A velocidade com que os profissionais de saúde deixam o SNS requer um sistema de contratação rápido em resposta de substituição. Os portugueses, os nossos doentes, não podem ter um SNS a trabalhar “a meio gás”.

O SNS tem sobrevivido à custa da disponibilidade dos seus profissionais de saúde em realizar horas extraordinárias. Apesar da melhoria no seu pagamento, a realização de múltiplos períodos de urgência semanalmente implica um desgaste físico e emocional acrescido – incluindo na esfera familiar -, que pode resultar no tão falado burnout.  E, igualmente importante, também acaba por pôr os nossos utentes em perigo. Somos equipas cansadas e insuficientes.

E mesmo assim, a tutela continua sem conseguir responder eficazmente às necessidades dos hospitais e insiste em ter serviços de urgência abertos com equipas médicas abaixo do número proposto pelos diferentes colégios da especialidade.

Sendo especialista desde 2016, desde do início do meu internato que tenho vindo a assistir ao desinvestimento crónico no SNS. Contudo, e perante este quadro, desejei que houvesse uma vaga no meu hospital de formação. Era ali que eu queria estar. E este é o “sentir”, também, de muitos dos recém-especialistas, quando terminam a sua formação específica.

Acredito, defendo, tal como a maioria de nós, que no sistema nacional de saúde, quaisquer que sejam as decisões que urge tomar, elas têm sempre de partir do pressuposto essencial de que o acesso aos cuidados de saúde deve constituir uma obrigação solidária do Estado. Só pode ser essa a prioridade, através de uma oferta de qualidade e universal.

 

*Médica Especialista de Ginecologia-Obstetrícia



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11 de novembro de 2019

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