A defesa dos cuidados de saúde de todos os idosos passa por assumir a dimensão clínica dos lares como essencial
No Lar de idosos de Reguengos de Monsaraz morreram, em menos de um mês, 16 residentes, uma funcionária e uma outra pessoa na comunidade.
A Ordem dos Médicos abriu um inquérito, ao abrigo do que o artigo 3º do seu Estatuto prevê, na defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes. O objetivo não foi encontrar bodes expiatórios, mas perceber se o que aconteceu era evitável. E concluiu que muito podia ter sido evitado.
A ARS do Alentejo, a DGS e a direção do lar agiram como se nada tivesse a dimensão por todos conhecida. Ministra da Saúde e a do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social optaram por um silêncio ensurdecedor.
Perante os factos “alguns” vieram afirmar que os lares não são unidades de saúde e que como tal não se lhes pode exigir determinadas condições técnicas. Pois que estamos de acordo. Mas o que importa recordar é que são os lares as instituições sociais onde se concentra uma população mais idosa, mais debilitada, mais dependente e com maior número de comorbilidades. Ignorá-lo é recusar a verdade.
Os idosos constituem uma população de elevado risco pelas suas características, morbilidades, deficiências e situação psicossocial. E essa população irá continuar a aumentar.
Lembre-se que a legislação em vigor prevê que os lares podem albergar até 120 residentes. E será fácil para todos nós percebermos o peso, responsabilidade, dificuldades e limitações decorrentes de albergar conjuntos de cidadãos com estas características.
O número de lares existentes em Portugal e os milhares de residentes que neles vivem, as suas características, as suas limitações organizativas e fragilidades obrigam ao Estado Social e a todos nós a olhar para eles com especial atenção.
As mortes em Reguengos só parcialmente dependeram da pandemia. O sucedido é bem revelador das múltiplas fragilidades que muitos lares ainda têm.
Sabemos que os lares não são todos iguais. Como tudo na vida, há bons e maus lares.
O sucedido em Reguengos de Monsaraz faz-nos, no entanto, questionar qual o modelo de sustentabilidade de cuidados de saúde que o Estado preconiza para os nossos lares e para defender os direitos dos doentes. Qual é a verdadeira dimensão clínica dos lares?
Que modelo organizativo deve o Estado prever para garantir todos os cuidados de saúde aos utentes?
Que modelo de articulação prevêem as ARS, os ACES e os hospitais para os lares das suas áreas de influência?
Que conhecimento real têm as direções técnicas dos lares para lidarem com a dimensão clínica do grupo de doentes que têm a seu cargo?
Que modelos organizativos clínicos estão previstos para lidar com uma dimensão de doença previsível e potenciável em função do número de residentes?
Que planos de contingência existem para lidar com situações de epidemia ou mesmo de surtos mais limitados?
Que inspeções e auditorias fazem as autoridades às diferentes entidades? Defendendo as boas práticas e contribuindo para melhorar as menos adequadas.
Os tempos dos lares enquanto “depósitos” de idosos tem de ter terminado.
Devemos defender que todos os lares têm de assumir que a manutenção de um estado de saúde e um rigoroso controlo da doença é um direito inalienável de todos os que lá residem.
Os lares são uma realidade social crescente. As limitações e fragilidades neles existentes estão aos olhos de todos e não mais podemos continuar a fechar os olhos.
A defesa dos cuidados de saúde de todos os idosos passa por assumir a dimensão clínica dos lares como essencial. Garantindo um apoio médico dedicado, sistemático e dimensionado à dimensão de cada lar. Por uma liderança clínica permanente. Aplicando o saber da Geriatria. Por um ajustar dos cuidados de acordo com a situações existentes. Por ser proactivo e não reactivo.
Ministério da Saúde e da Segurança Social têm de definir e regular a dimensão clínica dos lares, determinar os mínimos exigíveis, garantir as orientações necessárias e estabelecer uma política de avaliação de qualidade. Têm de perceber que este é um problema real que implica novas soluções, mais ágeis e mais eficientes.
É tempo de mudar e de todos se adaptarem a novas exigências, a novas realidades, a novas responsabilidades. E este é um tempo que tem de ser curto.
E, apesar de óbvio, há que recordar que a pandemia anda por aí.
E que o Inverno está a vir.
Jorge Penedo
Vice-Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos
Artigo publicado na edição de 13 de agosto de 2020 do jornal Público