Crónicas do Dr. Gago Coutinho

Crónicas do Dr. Gago Coutinho

O Estado demissionário

 

O SNS é inequivocamente uma prioridade de todos os stakeholders do setor da saúde.

O SNS, até pelo setor privado, é elogiado e reconhecida a sua importância.

A sua existência recolhe uma invejável unanimidade de todos os setores da sociedade portuguesa. E estranhamente o SNS é, hoje, um dos setores em maior crise na sociedade portuguesa.

Se olharmos para o financiamento da saúde em Portugal facilmente concluímos que são hoje os portugueses que mais suportam o SNS. Muito mais do que o Estado e em especial o Governo. Se olharmos para as contas do Estado facilmente percebemos que os portugueses sustentam o SNS de duas formas: pelos seus impostos e por aquilo vulgarmente chamado como a despesa das famílias em saúde.

E se olharmos para a realidade atual facilmente percebemos que é o Ministério da Saúde o maior gerador de fake news do setor.

Vejamos alguns exemplos: Ministra e Secretários de Estado duplicam esforços a afirmar que não há problemas no setor. Que não há falta de recursos humanos. Que todos os equipamentos estão novos e com a manutenção perfeita. Que a inovação não para de crescer. Qua a despesa está controlada. Que diminuíram as listas de espera. Que os profissionais não têm razão em denunciar as situações de carência. Que, no passado, tudo estava errado e que agora tudo está bem. Que os culpados são os CA das diferentes instituições. A lista é interminável e mereceria um estudo ou quiçá mesmo um doutoramento.

Mas esta criatividade perversa tem outras facetas que importa sublinhar. Sistemática e continuamente há um aperfeiçoamento da política do “faz de conta”. Sistemática e continuamente há um desenvolvimento de beatificação do Ministério da Saúde e uma demonização dos profissionais. E as perversões são múltiplas e sucessivas.

Defendem-se as carreiras e atrasam-se os concursos.

Aprovam-se legislações e não são implementadas as regras.

Alteram-se quadros de referência sem qualquer avaliação do que foi feito.

Nomeiam-se júris envolvendo milhares de médicos. A custo zero para o Ministério.

Definem-se regras e não se investe no seu controlo.

Criam-se GT e Comissões e para eles se nomeiam médicos. A custo zero para o Ministério e para fazer um trabalho do qual o Estado assume a necessidade.

Nomeiam-se médicos peritos. A custo zero para o Ministério.

Nomeiam-se auditores médicos. A custo zero para o Ministério.

Avaliam-se idoneidades. A custo zero.

Dá-se formação. A custo zero.

Anuncia-se que tudo está bem nas instituições quando a nossa experiência é bem diferente. Tetos a cair e cadeiras partidas são os exemplos mais simples de uma lista interminável

Sistematicamente procura bodes expiatórios para as suas insuficiências.

Repetidamente se aproveita das competências e diferenciações dos médicos.

Repetidamente, o Ministério leva os médicos a executarem um conjunto de funções muito para além das suas funções assistenciais sem que nunca reconheça a sua relevância

Sistematicamente vai aproveitando a diferenciação médica, as suas competências e a sua dedicação à causa pública.

Repetidamente os ataca e deles se aproveita.

A classe médica tem sido pouco reivindicativa e o Estado tem-se aproveitado dessa sua caraterística. Tem-se aproveitado da sua vontade de ajudar e de estar ao lado dos doentes.

E é o Estado que progressivamente entende que os deveres dos médicos devem ser aumentados enquanto que os salários devem ser diminuídos. Sistematicamente.

O que cada vez é mais percetível para todos é a permanente demissão do Estado naquilo que são as suas verdadeiras tarefas. Regulação e financiamento.

Em contraponto, temos a opinião dos nossos doentes. Que sistematicamente reconhecem o desempenho e esforço dos médicos.

E esses são a nossa maior prova de que fazemos bem aquilo que melhor sabemos fazer. Tratar doentes. Não pedimos muito! Só pedimos que nos deem condições para bens os tratar. E que nos reconheçam, aos variados níveis, como profissionais altamente diferenciados e empenhados.

 

Gago Coutinho

 

 

11 de dezembro de 2019

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