Artigo publicado na edição do Expresso de 29 de julho de 2022
Reclamações contra clínicos aumentaram 36% em 4 anos. Este foi um número, chamado à primeira página do Expresso.
Um número que faz pensar. Quais as causas deste aumento? O indesmentível incremento de conflitualidade social e no SNS, associado a uma insatisfação crescente dos nossos doentes, são evidentes. Com reflexo imediato nas queixas para os Conselhos Disciplinares (CD) da Ordem dos Médicos.
Entre 2017 e 2019 esse aumento foi mais notório. O número de novos processos subiu 30%. Somava-se a um acumulado que na nossa avaliação era inaceitável.
O tema dos processos acumulados e com tramitação lenta no CD tinha de ter uma resposta efetiva. O Conselho Regional do Sul (CRS) decidiu atuar de forma a compreender as razões e quais as medidas corretivas a adotar. Assumimos as nossas obrigações, garantindo a independência do CD.
Realizámos uma auditoria externa, por uma empresa internacional, ao processo de funcionamento do CD, da qual resultaram recomendações e medidas a adotar.
Procedeu-se à simplificação de procedimentos, à completa digitalização do papel, à informatização de todo o processo.
Restruturámos os recursos humanos. Reforçámos e qualificámos. O Conselho passou a dispor de 4 assistentes jurídicas licenciadas em Direito. Ao trabalho permanente de dois advogados externos, que elaboravam a totalidade dos pareceres, acrescentámos a contratação pública de dois escritórios especializados que resolveram em bloco centenas de casos, reduzindo significativamente o número de processos com mais de dois anos.
Aumentámos o orçamento anual do departamento. Em 80%. Um aumento justificado e que implicou um enorme esforço financeiro.
Passados 3 anos, qual o nosso balanço?
O número de novos processos estabilizou, entrando 730-740 processos/ano.
O número de processos resolvidos (arquivamento ou sanção disciplinar) passaram de 400 para 900/ano.
A triagem passou a resolver liminarmente cerca de 200 processos que estão fora do âmbito disciplinar, sendo que permitiu agilizar a investigação, análise e deliberação dos restantes 530 pelos 17 membros médicos do Conselho Disciplinar.
O CD produz atualmente relatórios trimestrais, integrando os resultados da sua atividade e sugestões de melhoria, que permitem um acompanhamento mais rigoroso e eficaz.
Aguardamos a materialização de um dashboard público para acompanhar o movimento disciplinar do Departamento Disciplinar do Sul e para o qual já existem condições de construção. Uma peça essencial, na garantia da política de transparência que defendemos.
Importa ainda realçar que o nosso trabalho está dependente dos tempos da avaliação em tribunal nos processos mais complexos, que muitas vezes suspendem as nossas decisões.
Estamos dependentes das informações das instituições de saúde e das respostas aos quesitos por nós formulados.
Estamos dependentes da resposta aos inquéritos e peritagens realizadas pelos Colégios de especialidade ou por instituições externas à Ordem dos Médicos.
Apesar do recente percurso positivo, a manter-se a desorganização do SNS, o afluxo desajustado à urgência hospitalar, mais de 1 milhão de utentes sem médico de família e atrasos na resposta hospitalar com listas de espera para consultas, exames e cirurgias, a litigância e o erro não dependentes da ação médica serão mais frequentes.
Estamos satisfeitos? Claro que não.
A avaliação interpares é uma função diária menos visível. Apostamos com seriedade e empenho nas várias atribuições que dignificam o nosso Serviço Público.
O nosso caminho é da melhoria contínua. Do diminuir o tempo de análise e decisão dos processos em sede de departamento disciplinar. Da melhoria da qualificação técnica dos recursos humanos e da nossa contribuição para o modelo de funcionamento.
A terminar uma merecida palavra de público reconhecimento a todos os 17 médicos que constituem o painel do CD. Todos o fazem a par da sua importante atividade profissional, sem remuneração e prescindindo do seu tempo livre em nome de uma causa maior.
Estamos crentes que mudámos muito e de que este é um dos nossos imperativos de atuação. Para que todos os portugueses tenham a certeza que a qualidade e segurança de prestação de cuidados tem na Ordem dos Médicos um garante permanente.
Alexandre Valentim Lourenço
Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos