Que desafios para a nova equipa da Saúde?

Que desafios para a nova equipa da Saúde?

Já são conhecidos os nomes do novo ministro da Saúde (bem como dos dois secretários de Estado) e o do novo diretor-executivo do SNS.
Destes, três são médicos, três do Norte e dois ex-governantes do Ministério da Saúde. Conhecedores do setor e dos problemas, os dois ex-governantes expressaram-se recente e duramente sobre a situação do setor e do que seria necessário mudar. Os verdadeiros desafios focam-se, pois, em saber no que irão fazer e como.

Do meu ponto de vista, sete desafios estruturais se colocam a Manuel Pizarro e a Fernando Araújo.

A acessibilidade aos cuidados de saúde de qualidade é um direito que tem de ser materializado e não só prometido. O acesso às consultas, tratamentos e cirurgias está gravemente comprometido e o sistema tornou-se desigual. Uma parte da população procura e acede a alternativas privadas, quer de forma direta quer contratando seguros de saúde.

Falta um modelo que dê uma resposta cabal integrada a cuidados de saúde. Nos cuidados primários, hospitalares e continuados. Garantindo cuidados de igual nível em todo o Portugal. Reconhecendo as deficiências e resolvendo-as. Garantindo cuidados e não assumindo o dogma de todos prestar.

Deixem-nos trabalhar! Uma segunda tarefa que, de tão óbvia, parece inevitável.

Os médicos, profissionais aplaudidos quando se ocupam dos doentes horas sobre horas, dias sobre dias, semanas sobre semanas, e meses e anos, são desconsiderados e ignorados quando, no seu trabalho e nas suas intervenções públicas, pedem condições de trabalho para melhor tratar os seus doentes. Os seus pedidos são tão legítimos quanto incómodos.

Os médicos querem apenas trabalhar, que os deixem fazer o melhor, aplicar o que sabem, fruto da boa formação que tiveram, e elevar a Medicina ao seu expoente máximo. Queremos condições de trabalho, recursos técnicos, respeito pelo nosso trabalho, independência e reconhecimento. Temos o poder de o fazer. Queremos fazê-lo.

Um terceiro desafio. É pelos e para os doentes que os médicos defendem a qualidade da Medicina e da sua formação. Foram os médicos que construíram o edifício sólido da sua formação e que agora sentem estar ameaçada. Isso preocupa-nos, incomoda-nos. Para melhor tratar os doentes. Queremos garantias de que a qualidade do sistema de saúde e do SNS continuam a apresentar os elevados níveis a que todos se habituaram e que a formação médica continuará a seguir os padrões de qualidade que tanto defendemos, e que não será transformada numa fábrica de construção de médicos indiferenciados.

Dialogar, escutar e agir. Um quarto desafio. O Ministério da Saúde pautou-se nos últimos anos por uma total incapacidade de dialogar com as profissões da Saúde. De ouvir as suas propostas. E sistematicamente as acusou de corporativas. O Governo deixou crescer as críticas que sempre se vieram a demonstrar alinhadas com a realidade e a não antecipar soluções para problemas que, se corrigidos a tempo, poderiam evitar resultados negativos por todos reconhecidos. Mais diálogo é necessário. E ter a humildade de ouvir os diagnósticos e propostas de quem todos os dias está no terreno pode ser a base para a construção de uma política de Saúde mais realista e assertiva.

Um modelo de prestação de cuidados de saúde suportado na adaptabilidade e no ajuste às realidades locais, regionais e sociais. Um quinto desafio que nos permitirá criar um sistema de saúde moderno e capaz de responder cabalmente às necessidades dos utentes. O atual modelo de cuidados de saúde está esgotado, desatualizado e já não funciona. Precisamos de melhorar, precisamos de procurar uma organização flexível e inteligente, que cubra com eficiência todo o país. O que pode funcionar em Lisboa não significa que funcione em Bragança ou em Faro ou na Guarda.

O sexto desafio prende-se com a gestão. O SNS tem de estar suportado por um modelo de gestão caracterizado por uma autonomia responsável. Responsável na apresentação de resultados. Clínicos e financeiros. Gerido localmente e auditado nacionalmente. Uma gestão moderna e eficaz não é possível se basear em centralismos imobilizadores e em burocracias castrantes e impeditivas de uma qualidade e eficiência desejáveis.

Defender o SNS promovendo o sistema de saúde. O SNS merece ser reconstruído, por tudo o que representou e representa para os portugueses e para o desenvolvimento do país. Mas defendê-lo é procurar outras soluções no atual contexto económico, social e político. Ninguém pode defender o SNS de 1979 na realidade de 2022. É, pois, necessário promover o sistema de saúde atendendo a um modelo que incorpore alternativas, que conte com os privados e o setor social, que os integre numa solução eficiente e que se traduza em ganhos para a Saúde no seu conjunto e permita uma vida saudável para o próprio SNS.

Um apelo final a Manuel Pizarro e Fernando Araújo na gestão de um sistema que já herdaram. A distância que medeia a criação de um sistema mais complexo, mais burocratizado, mais desconectado da realidade, e a criação de um sistema mais ágil, mais simplificado e mais ligado à realidade é demasiado curta. Mas a sua criação torna-se por isso um imperativo.

Esperamos para ver…

 

Alexandre Valentim Lourenço

Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

18 de setembro de 2022

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