Artigo de opinião no Diário de Notícias

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Para quando o acesso aos
Cuidados Paliativos?
 
Existe um pesar enorme por parte de colegas, amigos e família quando refiro que trabalho numa equipa de Cuidados Paliativos. Todos suspiram e dizem “isso deve ser duro”, “como é que consegues lidar com isso?”. Sorrio e explico que é uma das áreas mais humanistas da medicina, que me preenche como profissional e ser humano, e que saio todos os dias recompensado pelo trabalho que exerço junto destes doentes e das suas famílias.

Há a ideia errada na população em geral, que os cuidados paliativos são para as pessoas em final de vida e que já não há nada a fazer, o que não é verdade. De acordo com a sua definição: “Cuidados que visam melhorar a qualidade de vida dos doentes e suas famílias, que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou grave e com prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas não só físicos, nomeadamente a dor, mas também dos psicológicos, sociais e espirituais.”
 
Não se aplicam só aos adultos, aplicam-se também às crianças, com as suas particularidades e com equipas especializadas para estes. A maioria das pessoas com necessidades paliativas não são os doentes oncológicos, são os doentes com doença crónica complexa, nos estadios, em que os tratamentos convencionais já não são suficientes. Aqui os cuidados paliativos são essenciais para prevenir complicações e melhorar a qualidade de vida destes doentes, fazendo um controlo sintomático eficaz adequando todas as intervenções à fragilidade que cada um apresenta.

A Organização Mundial de Saúde recomenda e reconhece os benefícios da referenciação precoce às equipas de Cuidados Paliativos, para serem estabelecidos planos avançados de cuidados, de forma a todo o processo ser orientado da melhor maneira possível.

Será que todos os portugueses têm acesso a estes cuidados?
 
Os cuidados paliativos têm sido colocados de parte, não sendo cumprido o plano estratégico realizado pela comissão nacional de cuidados paliativos da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Existem inúmeras escolas e faculdades com formação avançada que deve ser um requisito para trabalhar nesta área de cuidados e deve haver incentivos de apoio à formação dos profissionais. Seja no sector público, privado ou social. As formações que capacitam os profissionais para abordarem estes doentes são muito dispendiosas e, como tal, deve haver apoios para os profissionais serem dotados de formação especializada.

Sabemos que um grande investimento deve ser feito para dotar as unidades da rede de Cuidados Paliativos e os hospitais com camas para estes doentes, pois está descrito e estudado que os cuidados paliativos no seu acompanhamento multidisciplinar retiram doentes dos serviços de urgência. É uma área da medicina em crescimento, com muitos estudos a validar a sua pertinência e inclusão em todas as tipologias dos serviços de saúde. 

Trata-se um suporte fundamental para os cuidadores que pretendem cumprir os desejos dos doentes de partir em casa, junto daqueles que mais gostam e não numa maca, sozinhos e encostados num serviço de urgência. Há equipas comunitárias que dão diariamente este apoio bem como existem unidades de internamento para esse efeito. Todavia, a espera por uma resposta efetiva... continua.

Na minha visão, os profissionais que trabalham nesta área da medicina devem ser reconhecidos e recompensados pela complexa prestação de cuidados que exercem, seja com o respeito pelo trabalho desenvolvido, garantia de melhores condições de trabalho e respetiva valorização profissional.
 
Os Cuidados Paliativos podem ser ainda mais acessíveis e expandidos, se todos os profissionais de saúde e população estiverem informados sobre a sua importância, a sua forma de atuação. A qualidade de vida dos doentes e das suas famílias são o pilar essencial da nossa atuação. É fundamental e urgente aumentar o acesso e sua distribuição ao nível de todo o país.

João Dias Ferreira
Médico de Família e de Cuidados Paliativos no ACES Almada-Seixal
Vogal do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

3 de agosto de 2023

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